A guerra na Ucrânia entrou em uma nova fase esta semana, com o início da contraofensiva ucraniana na região de Kherson. Desde julho se especulava sobre esse avanço, que representa a maior mudança no de cenário desde o início do conflito. Vladimir Putin fracassou em ocupar o país vizinho em uma “Blitzkrieg” e expandiu apenas o controle sobre a região leste e sul, e a duras penas. Desde junho, esse quadro tem se mantido e os russos não conseguem ampliar seu domínio territorial de forma significativa.

Depois de barrar os invasores, os ucranianos pretendem agora recuperar parte do terreno perdido (e vão até as fronteiras originais, repetiu o presidente Volodymyr Zelensky na segunda). O alvo é Kherson, a primeira grande cidade que a Rússia conquistou no início do conflito. “É o começo do fim da ocupação na região”, disse um oficial ucraniano. As informações ainda são preliminares, e a guerra de propagando entre os dois lados impede uma avaliação definitiva. Mas o fato de os ucranianos conseguirem recuperar vilarejos ao redor de Kherson, como parece ser o caso, é uma péssima notícia para Putin.

O líder russo ainda conta com um estoque praticamente inesgotável de artilharia. Mas suas tropas estão exauridas, as baixas foram enormes e o armamento mais sofisticado é cada vez mais escasso por conta das sanções econômicas e tecnológicas. Parece improvável que os drones iranianos que começam a chegar à Rússia mudem a dinâmica do conflito. Já as armas ocidentais, especialmente os lança-foguetes HYMAR enviados pelos EUA, são o grande trunfo ucraniano. Estão cortando as linhas de suprimento das tropas russas, atingindo centros estratégicos e servindo para desestabilizar até a região da Crimeia, que os russos davam por garantida desde 2014.

O ritmo desse avanço deve ser lento e sem lances espetaculares. Zelensky tem pressa para mostrar aos países ocidentais sua capacidade de ganhar o conflito, mas sabe que um passo em falso pode colocar tudo a perder. Por outro lado, precisa se mexer antes do inverno, que dificulta o avanço das tropas. Os militares americanos e britânicos são céticos quanto a uma expansão decisiva agora. A doutrina militar tradicional diz que é necessário o triplo de soldados para o exército invasor ocupar territórios. Os ucranianos não têm esse contingente. Mas podem surpreender, como já fizeram ao barrar o avanço russo em Kiev.

Na guerra mais importante e de longa duração, o rearranjo geopolítico mundial por conta da invasão russa, os ucranianos ainda estão ganhando de lavada. Contra todas as previsões de Putin, EUA e Europa permanecem firmes apoiando a Ucrânia, mesmo com a crise energética por conta da interrupção do fornecimento de gás russo. Putin usou essa ferramenta contando que a insatisfação popular forçaria os líderes do bloco a recuarem, mas os europeus preferem pagar o preço da escassez a ficarem dependentes do autocrata.

Não só os europeus estão decididos a não depender mais do gás russo (estão se adaptando com maior rapidez do que o previsto), como estão se armando como não faziam desde a Segunda Guerra. A Alemanha abandonou sua histórica posição de neutralidade e se prepara para ter uma força poderosa. A OTAN renasceu fortalecida. Até o Vaticano, que tinha evitado se posicionar contra Putin, desceu do muro. O papa acaba de declarar que condena a invasão russa de forma clara e inequívoca por ser “injusta, inaceitável, bárbara, sem sentido, repugnante e representar um sacrilégio”. No tribunal da opinião pública, Putin já foi derrotado. Financeiramente, sua ruína virá nos próximos anos com a lenta decadência da economia russa. Militarmente, os ucranianos desejam dar uma resposta mais cedo do que todos esperavam.