Durante sua última campanha eleitoral, Donald Trump intensificou a promessa de que acabaria com o conflito mortal e prolongado entre Ucrânia e Rússia, chegando a afirmar que resolveria o embate em “24 horas”.
Eleito e com o conflito completando três anos de duração, o republicano tem buscado holofotes na negociação entre os países por um cessar-fogo.
No início de fevereiro, Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, foi enviado à capital ucraniana para uma reunião direta com o presidente Volodymyr Zelensky, logo após Trump destacar que as negociações estavam avançando.
Pouco depois, o líder norte-americano se encontrou presencialmente com o presidente russo, Vladimir Putin. Após a conversa, diversos líderes da União Europeia marcaram uma nova reunião geral no dia 17, com a intenção de alinhar os acordos liderados pelos EUA.
Nos últimos dias, Donald Trump tem mostrado amplo distanciamento de Zelensky e chegou a chamá-lo de ditador, após o chefe do país europeu rejeitar os termos propostos pelos EUA para um cessar-fogo.
O principal temor na União Europeia é a possibilidade de a Rússia sair amplamente favorecida após a assinatura do tratado de paz.
Na chamada da conferência, Emmanuel Macron, presidente francês, deu sua opinião por meio das redes sociais.
“Se o presidente Donald Trump puder realmente convencer o presidente Putin a parar a agressão contra a Ucrânia, isso é uma ótima notícia. Então, serão os ucranianos sozinhos que poderão conduzir as discussões para uma paz sólida e duradoura. Nós os ajudaremos nesse esforço”, escreveu.
Com o aumento das iniciativas para encerrar a guerra e a busca de Trump por protagonismo, a IstoÉ entrevistou dois especialistas para analisar as possíveis influências do ex-presidente e as alternativas para a resolução do conflito.
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Acordo assinado ainda em 2025?
Para Demetrius Cesário Pereira, doutor em política europeia, assinatura do tratado pode ocorrer ainda este ano, especialmente se a influência dos EUA conseguir acelerar o processo. No entanto, é possível que o impasse se estenda por mais tempo.
“Tudo depende muito da criatividade das partes para chegar a um acordo, o mais importante é o diálogo entre a Rússia e a Ucrânia mesmo”, explica.
A doutora em relações internacionais e vice-coordenadora do Observatório de Regionalismo, Bárbara Neves, ressalta que a Europa não está muito contente com as declarações de Trump que sugerem que os territórios tomados possam continuar sob o domínio de Putin.
Segundo Neves, o aumento das chances de cortes nos recursos por parte do governo dos Estados Unidos faz com que a Ucrânia enfrente mais pressões para definir um acordo de paz. No entanto, o apoio da União Europeia ajuda a garantir que menos benefícios sejam concedidos à Rússia no processo.
Apesar dos esforços e do senso de urgência da situação, Zelensky negou a primeira versão do acordo oferecido na Conferência de Segurança de Munique e reforçou que o governo ucraniano deve estar presente na criação do pacto.
“Eu não deixei os ministros assinarem um acordo relevante porque, na minha visão, ele não está pronto para nos proteger, para proteger nosso interesse. Acho importante que o vice-presidente dos EUA tenha entendido que, se quisermos assinar algo, temos que entender que funcionará”, afirmou à agência de notícias Associated Press.
Participação global e autobenefício dos EUA
Com o quase total controle dos EUA sobre um possível acordo, muitos questionam a relevância de outras instituições políticas globais na mediação do cessar-fogo.
“Com o Trump no governo, a gente vai ter cada vez mais ataques às instituições internacionais, pior do que tivemos no governo Trump I, e isso fragiliza muito a capacidade dessas instituições de fortalecer esforços para um acordo de paz”, explica Neves.
A deslegitimação promovida pelos dirigentes e a falha em conseguir o fim da guerra mais cedo fragiliza a imagem de outras entidades, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a OTAN. O poder de veto das duas potências – Rússia e EUA – nas decisões de segurança da ONU também atrasam o processo.
A presença de outros moderadores é vital para evitar que o conflito se intensifique novamente de maneira tão mortal e agressiva. No entanto, para a opinião pública mundial, a ineficácia das tentativas anteriores diminui a credibilidade dessas organizações.
Com os EUA assumindo o comando das tratativas, há o risco de que condições e cláusulas favoráveis a determinados países sejam impostas. Com os ataques em andamento, a crescente pressão internacional e uma Europa economicamente fragilizada, é possível que a Ucrânia tenha que ceder a diversas exigências em nome de sua segurança.
Ambos especialistas acreditam que o novo documento deve contar com ganhos para o governo de Trump.
“Na verdade, quem sai perdendo aí é a Ucrânia, de um jeito ou de outro. Obviamente, os Estados Unidos vão querer garantir o acesso a essas terras raras e principalmente o acesso a recursos e minerais dessas terras, como o grafite, o lítio, o titânio, o urânio e assim por diante”, reforça a doutora em relações internacionais.
Além dos territórios com riquezas minerais, os norte-americanos pretendem exigir de volta todos os recursos, materiais e financeiros, que cedeu para o país menor durante o embate. Tais fatores podem criar dependência econômica na relação.
Até o momento, Zelensky segue firme com o objetivo evitar uma excessiva concessão aos EUA e garantir que suas terras e comunidades voltem a ficar seguras. “Se não recebermos as garantias de segurança dos Estados Unidos, acredito que o tratado econômico não funcionará”, disse o presidente ucraniano ao canal NBC.
O que pode alterar o pensamento de Putin depois de três anos?
Para além das preocupações práticas, há ainda outra barreira que impede o fim do conflito: o que faria a comitiva de Putin mudar seu pensamento depois de três anos? A continuidade dos ataques militares, das sanções internacionais e da própria guerra é sustentada pelos ideais do atual presidente, e alterá-los não é uma tarefa fácil, na visão de especialistas ouvidos pela IstoÉ.
“Sabemos que houve um desgaste de pessoas dentro da Rússia, mas o governo Putin perdeu pouquíssimo apoio, não teve efeitos econômicos tão graves na Rússia em si – ainda que os dados sobre a situação sejam complexos de acessar. A posição de ataque só vai mudar quando o objetivo de Putin for alcançado”, explica Bárbara Neves.
A principal motivação que pode encerrar diretamente o conflito de três anos é a busca por ganhos econômicos ou territoriais por parte dos atacantes – um cenário que se intensifica pela resistência de Zelensky e pela imposição de Trump.
**Estagiária sob supervisão