Guerra na Ucrânia afasta ex-repúblicas soviéticas da Rússia

Guerra na Ucrânia afasta ex-repúblicas soviéticas da Rússia

"EUAConflito prolongado na Ucrânia e aumento das tensões regionais abalam influência de Moscou, levando antigas repúblicas soviéticas a se aproximarem de EUA e China. Alinhamento, porém, não é automático.O aperto de mãos entre o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, e o primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan, no início deste mês, selou a intenção dos líderes de encerrar décadas de conflito com um tratado de paz.

Por anos, seus países haviam lutado ferozmente pelo controle de Nagorno-Karabakh, uma região historicamente habitada por armênios dentro do Azerbaijão.

O Azerbaijão, que é predominantemente muçulmano, é apoiado pela Turquia, enquanto a Rússia agia como potência protetora da Armênia, que é majoritariamente cristã.

Em ofensivas realizadas em 2020 e 2023, o Azerbaijão conquistou a rendição do governo separatista armênio da região e provocou um êxodo em massa de quase toda a população armênia de mais de 100 mil pessoas.

Mas outro par de mãos se uniu ao aperto de mãos bilateral: as do presidente dos EUA, Donald Trump, que atuou como mediador. Ele prometeu que empresas americanas garantiriam por 99 anos a infraestrutura e a segurança de um corredor para conectar o Azerbaijão com o enclave autônomo de Nakhichevan, envolto por território armeno.

Sua participação na negociação foi mencionada pela Casa Branca como uma das justificativas para que Trump seja indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

Oficialmente, a Rússia recebeu a notícia do acordo mediado pelos EUA com bons olhos. "Temos apoiado consistentemente todos os esforços para alcançar esse objetivo, que é chave para a segurança regional. Nesse contexto, a reunião mediada pelos EUA em Washington com os líderes das repúblicas do Cáucaso do Sul merece uma avaliação positiva", disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova. "Esperamos que esse passo ajude a avançar a agenda de paz."

No entanto, posições menos oficiais podem refletir de forma mais realista o que Moscou realmente pensa. "Esta é uma humilhação terrível para a Rússia", escreveu o filósofo político de ultradireita Aleksandr Dugin no aplicativo Telegram. "É uma derrota completa, um desastre total para nossa política no Cáucaso do Sul."

A influência da Rússia está diminuindo?

O envolvimento dos EUA na implementação do acordo de paz é um dos sinais mais visíveis do esvaziamento da influência russa em regiões que antes compunham a União Soviética.

Até então, a Rússia, aliada tradicional da Armênia, procurava dar as cartas nas negociações e chegou a enviar tropas para operações de paz em Nagorno-Karabakh. O primeiro cessar-fogo negociado em 2020 foi mediado pelo Kremlin. Mas, desde o fim do conflito, a Rússia deixou de dar apoio irrestrito ao governo armeno, cujas forças se recusaram a participar de exercícios conjuntos com soldados russos.

Em setembro daquele ano, a Armênia também enviou ajuda humanitária à Ucrânia e, no mês seguinte, ratificou sua adesão ao Tribunal Penal Internacional (TPI). Moscou rejeita a legitimidade da corte, que emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, por supostos crimes praticados durante a guerra na Ucrânia.

Para o deputado independente Fariz Ismailzade, do Azerbaijão, também para o seu país faz sentido cerrar fileiras com os EUA. "O objetivo principal do Azerbaijão é ser independente", disse ele à DW. "Isso não significa que queremos nos separar da Rússia e ser de alguma forma um fantoche do Ocidente. O Azerbaijão está tentando construir novas alianças, por exemplo com países da Ásia Central ou com a Turquia."

Relações tensas com o Azerbaijão

Enquanto se aproxima dos EUA, o Azerbaijão se afasta cada vez mais da diplomacia russa. As relações entre os países se deterioraram ainda mais após um avião da Embraer que carregava passageiros azerbaijanos ser atingido por um míssil antiaéreo russo. A aeronave se dirigia à capital chechena, Grozny, em 25 de dezembro de 2024. Ao menos 38 pessoas morreram.

Após algum atraso, Putin finalmente contatou seu homólogo azerbaijano, Aliyev, mas apenas para pedir desculpas pelo fato de o avião ter sido abatido em espaço aéreo russo. "A Rússia não nos mostrou o respeito necessário", diz o cientista político Nariman Aliyev, do Azerbaijão.

O analista Rusif Huseynov, fundador do think tank Topchubashov Center, em Baku, afirma que o incidente levou ao colapso de um pilar importante da relação bilateral. Até então, os líderes se comunicavam diretamente. "A comunicação pessoal permitia que ambos os países superassem até os problemas institucionais mais sérios", diz.

"O Azerbaijão sempre se manteve equidistante da Rússia e do bloco ocidental, pois somos financeiramente independentes devido aos nossos petrodólares e devido à proteção oferecida pela Turquia", acrescenta.

Desde a queda do avião, houve uma série de incidentes diplomáticos entre os dois países. A polícia russa prendeu azerbaijanos suspeitos de terrorismo, enquanto as forças de segurança do Azerbaijão prenderam supostos traficantes de drogas russos. Recentemente, um ataque de Moscou em Odessa, na Ucrânia, atingiu um depósito de petróleo da empresa estatal azerbaijana Socar.

Guerra na Ucrânia oferece "janela de oportunidade"

O deputado Ismailzade diz que o governo do Azerbaijão ameaçou suspender seu embargo ao fornecimento de armas à Ucrânia se a Rússia continuasse atacando infraestrutura do Azerbaijão em território ucraniano.

Ele avalia que a guerra na Ucrânia concentra a atenção da Rússia e abre uma "janela de oportunidades" para os países da região, que ganharam espaço para fortalecer relações diplomáticas com outras nações.

Huseynov, do Topchubashov Center, diz que o Azerbaijão provavelmente conseguiu fazer com que as tropas russas deixassem sua operação de paz em Nagorno-Karabakh também devido à guerra na Ucrânia, algo que muitos acreditavam ser impossível.

China ganha espaço na Ásia Central

A analista Dilnoza Ubaydullaeva, da Australian National University, diz que, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, outros antigos estados soviéticos também mudaram seu tom em relação a Moscou.

Ela dá como exemplo o presidente do Tajiquistão, Emomali Rahmon, que, em outubro de 2022, reclamou publicamente da falta de "respeito" de Putin por países da Ásia Central que antes faziam parte da União Soviética. O vídeo da reclamação teve mais de 13 milhões de visualizações no YouTube.

"A Rússia era vista como uma superpotência" que facilmente assumiria o controle da Ucrânia, diz Ubaydullaeva. Mas isso não aconteceu. "Obviamente, os estados da região puderam observar que a Rússia não era tão poderosa quanto imaginavam."

Ubaydullaeva acrescenta que as sanções internacionais isolaram a Rússia e enfraqueceram a reputação do seu governo. Como resultado das sanções, alguns estados, incluindo Cazaquistão e Quirguistão, tornaram-se países de trânsito, exportando para a Rússia produtos sancionados. Mas, ao mesmo tempo, muitos antigos estados soviéticos desenvolveram uma "política externa multivetorial", mantendo contatos com vários países.

"A China avançou silenciosamente na região. A Rússia se tornou, de fato, júnior nessa relação", diz Ubaydullaeva. "Embora a China seja normalmente conhecida por seus projetos econômicos, também a vemos fazendo declarações como: 'Garantiremos a soberania e segurança dos estados da região.'"

A primeira cúpula China-Ásia Central foi realizada em Xi'an, China, em 2023, e contou com a presença dos líderes de Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Tajiquistão e Turcomenistão.

"Síndrome pós-colonial"

O presidente do Azerbaijão diz que é importante manter esses acontecimentos em perspectiva. "Fomos colonizados pela Rússia por muito tempo. E, portanto, temos síndrome pós-colonial", afirmou.

"Os líderes dos países pós-soviéticos têm esse background soviético. Eles cresceram na União Soviética, quando a capital era Moscou. Eles têm esses sentimentos por Moscou. Para a próxima geração, isso não é mais o caso. Eles estão esperando na fila. Talvez em 10 ou 20 anos, com a próxima geração política, isso mude."