Guerrear em dois frontes simultaneamente é um pesadelo para qualquer militar. Se o seu exército é de brancaleone, pior ainda. Essa é a situação do governo Bolsonaro neste momento. Depois da CPI da Pandemia, uma segunda frente de batalha se armou contra ele. É a história do orçamento secreto ou paralelo – expressão que, a meu ver, não é precisa, e deveria ser abandonada em favor de Bolsolão, que também já está circulando.

Quando se fala de orçamento secreto você imagina um dinheiro de origem obscura ou criminosa, usado em tramóias políticas. Não é disso que se trata neste novo enredo. Aqui, o dinheiro pertence mesmo ao Orçamento de 2021, aquele que foi votado pelo Congresso e sancionado pela Presidência. O problema no Bolsolão não está na origem dos recursos, mas na maneira como eles vêm sendo usados. 

São 3 bilhões de reais que um time seleto de deputados e senadores tem destinado a obras e localidades escolhidas sem nenhum critério evidente, em desrespeito às regras escritas da execução orçamentária. Quando o jornal O Estado de S. Paulo, que começou a desvendar a trama, pediu informações aos parlamentares, boa parte deles se negou a prestar explicações, em alguns casos de forma agressiva, em outros com desculpas esfarrapadas. 

Mas o que o governo tem a ver com isso, se quem está se beneficiando da grana são os congressistas? Muita coisa. Em primeiro lugar, o Congresso quis incluir esse tipo de gasto na lei de diretrizes orçamentárias deste ano, mas Bolsonaro vetou, com a justificativa de que ele favoreceria um uso personalista do dinheiro público, na linha do “eu gasto como quero e ninguém tem nada com isso”. 

Ora, apesar do veto, é exatamente esse uso personalista que vem acontecendo. E quem faz a liberação é o Executivo, especialmente o Ministério do Desenvolvimento Regional. Ou seja, no mínimo dos mínimos, o governo está fazendo de conta que não vê acontecer aquilo que a Presidência, lá atrás, considerou ilegal. 

Mas há uma hipótese ainda mais grave: os recursos seriam contrapartida pela eleição dos presidentes da Câmara e do Senado apoiados pelo governo na eleição do ano passado. Nesse caso, seria mais do que toma lá, dá cá. Seria compra de votos mesmo.

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Quem está mais perto de se queimar são os parlamentares – gente graúda como Arthur Lira, o presidente da Câmara, David Alcolumbre, ex-presidente do Senado, Flávia Arruda, recém-empossada como ministra-chefe da Secretaria de Governo, e Fernando Bezerra, líder do governo no Senado. Por isso mesmo, é difícil imaginar que haja uma CPI para desvendar essa trama, como vem propondo alguns deputados de oposição. 

Também no espeto encontra-se Rogério Marinho, o ministro do Desenvolvimento Regional – aquele que fica na boca do caixa com os pacotinhos de notas. Ele já mandou iniciarem uma investigação sobre máquinas agrícolas compradas com o dinheiro da sua pasta, aparentemente com preços superfaturados. Ótimo. Se houve compra acima do preço correto, alguém embolsou a diferença. Mas a investigação não exime o ministro de ter entrado no jogo, para começar. 

O fato de Marinho e os excelentíssimos parlamentares estarem mais perto da brasa não significa que Bolsonaro não saia chamuscado. São 3 bilhões de reais de um orçamento apertadíssimo. Daria, por exemplo, para pagar a realização do Censo, e ainda sobraria um bilhão. É ridículo imaginar que o presidente não tenha ideia de que essa dinheirama está sendo gasta por parlamentares escolhidos a dedo, sem transparência e sem previsão legal. 

Enquanto essa trama se desenrola, a CPI da Pandemia continua trazendo à tona detalhes da forma calhorda como Bolsonaro lidou com a Covid-19.

O depoimento do presidente da Anvisa Antônio Barra Torres na semana passada fez estragos consideráveis na narrativa do governo. Mostrou que Bolsonaro não estava nem aí para a ciência e que havia mesmo uma obsessão no Planalto para legitimar o uso inútil da cloroquina. 

O depoimento de Fábio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação, foi um primor de cinismo – deixou todos que o assistiram com a certeza de que ele mentiu e omitiu muita coisa. 

E nesta semana vêm Pazuello e Ernesto Araújo. 

São golpes de todos os lados, tirando lascas da imagem do governo e de Jair Bolsonaro. Vai dar em impeachment? Provavelmente não. Mas a cada dia aumentam as chances de o bolsonarismo chegar trôpego às eleições do ano que vem, como um horrível, e não incrível, exército de brancaleone. 

 


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