Ao longo da vida republicana brasileira, cantores, compositores e artistas, em geral, sempre se dividiram nas posições políticas ao emprestarem sua popularidade para esse ou aquele candidato à Presidência do País. Recém- derrubada a monarquia, por exemplo, Prudente de Morais sucedeu o marechal Floriano Peixoto. Uma quadra do dramaturgo Artur de Azevedo, fanático pelo militar, atravessou o tempo: “vai-se o marechal ingente, vai-se o alagoano. E eu digo somente: Floriano foi um prudente; seja Prudente um Floriano”. Esse fenômeno cresceu à época das duas campanhas presidenciais de Getúlio Vargas, tanto para o mandato iniciado com a revolução de 1930 quanto para o saído democraticamente das urnas em 1950. E volta agora, com fácil explicação sociológica, nesse instante em que o Brasil está mais polarizado que nunca. Ou seja: o ocupante do Palácio do Planalto, capitão da reserva e de extrema direita Jair Bolsonaro, tenta a reeleição e vem ganhando apoio de astros que o admiram. No extremo oposto, à esquerda, está Luiz Inácio Lula da Silva, contando com a propulsão de estrelas que o querem de volta ao poder.

Afinam com Bolsonaro os sertanejos, bem mais os antigos que os novos que compõem o gênero sofrência. Também engrossam o coro bolsonarista gente do pagode e do estilo gospel. O afobado sertanejo Sérgio Reis, por exemplo, tentou organizar pelo whatsapp, no ano passado, uma manifestação de caminhoneiros com o objetivo de “parar o País”. O seu comportamento antidemocrático subiu tanto na escala golpista que ele até pediu a destituição dos ministros do STF. Na sequência vieram-lhe o cancelamento de shows e um festival de críticas nas redes sociais. O bolso falou mais alto. Digamos que o apoio continua, mas já sem aquele berrante todo, por receio que a porteira se feche novamente. Assim como Sérgio Reis, o cantor e compositor Amado Batista gravou áudio em defesa de atos antidemocráticos. Quem anda pagando com a vida a simpatia de Amado por Bolsonaro são, no entanto, os bois que ele abate quando chama o Messias para os churrascos em sua fazenda no interior de Goiás. No início desse mês, de mala e cuia e pandeiro desembarcou na banda bolsonarista o pagodeiro Belo. Ele será candidato a deputado federal pelo PL, o mesmo partido de seu ídolo na política.

O amigo Chico

Sob o império das redes sociais, atualmente um bloqueio pode nocautear qualquer candidato muito mais que uma saraivada de críticas. Ser bloqueado, então, por alguém como a cantora Anitta, símbolo do Brasil em todo o mundo, é algo politicamente devastador. Ela agiu assim com o presidente porque ele quis ficar esticando um bate-boca no ambiente virtual, o que lhe renderia prestígio. Em matéria de inteligência, Anitta dá-lhe de goleada: percebeu ela a intenção, e fez o bloqueio. Ah, como Lula agradece! Ainda que ela jamais tenha dito que o apoia, a animosidade com Bolsonaro é claro que ajuda o líder petista – e muito.

Já de forma bem direta, Lula viu o Lollapalooza, festival de música realizado em São Paulo no mês passado, transformar-se em “Lulapalloza”: expressão cunhada por seus apoiadores, depois que artistas como Pabllo Vittar declararam adesão a sua candidatura. Igualmente lhe dão força Lulu Santos, Ludmilla, Marcelo D2, Martinho da Vila, Lenine e Gaby Amarantos. Mais: também na campanha de Lula existe a turma pagodeira e, nesse ponto, pagode por pagode, Bolsonaro sai perdendo. Motivo: o mais famoso deles todos, leia-se Zeca Pagodinho, está com o PT. Não poderia estar ausente, é claro, Chico Buarque, amigo desde os tempos das greves de metalúrgicos no ABC paulista, na década de 1980. Como se falou no início desse texto, artistas e músicas sempre prestigiaram líderes, e, dessa época, há o legado da antológica Linha de montagem, que Chico compôs com o poeta Cacaso. “Política também é afeto”, diz Viviane Gonçalves Freitas, professora de Ciência Política da UFMG.