O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um perfeccionista. Quando chegou em Chicago aos 25 anos, pelas portas do Departamento de Economia da Universidade, acompanhado da esposa e com um diploma de mestrado debaixo do braço, corrigia até mesmo seus professores. Assim é Guedes no dia-a-dia. Não se conforma com erros. Busca a excelência. Por isso, a reforma da Previdência é o seu espelho. O projeto sequer foi encaminhado ao Congresso. Mesmo assim, mira no que considera perfeito. Por exemplo, Paulo Guedes trabalha com um número mágico que pretende alcançar com a reforma: R$ 1 trilhão. Na “calibragem” que diz fazer em torno da proposta ideal e das possíveis, varia apenas o tempo durante o qual ele pretende obter essa economia. No seu mundo ideal, a economia de R$ 1 trilhão deveria ser alcançada em dez anos. Um meio termo aceitável é a economia em 15 anos. Na pior das hipóteses admitidas, ela se daria em duas décadas. De qualquer forma, o R$ 1 trilhão é o número a ser perseguido — capaz de, segundo ele, recolocar o Brasil nos trilhos e gerar um caminho sustentável para os próximos anos. É a meta, o que faz sua retina brilhar, como os cifrões nos olhos de Tio Patinhas. Assim, Guedes avança.

Movimenta-se. Embrenha-se pelo demais Poderes. Na última semana, esteve com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Na conversa, pediu apoio irrestrito. Quem ouviu, saiu de lá convencido que trata-se de uma obsessão. Uma boa obsessão. Ambos estão alinhados. E prometem, nas palavras de Guedes, transformar a proposta numa “construção democrática”. Aí já é o técnico falando como político. Até nisso, o ministro da Economia se aprimorou — e em pouco tempo. Sabe que usar o léxico dos políticos será muitas vezes necessário para alcançar o que acalenta.

Ao longo da semana, a agenda do ministro seguiu intensa. Foi um sem-número de audiências, conversas, tratativas, ao pé do ouvido ou não. Como um comandante determinado, Guedes colocou a faixa de capitão e foi a campo, dentro e fora de casa. Não respirou. Em apenas um dia, a quarta-feira 6, reuniu-se com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, com Wagner Rosário, da CGU, Michael Hartman, Assistant General Counsel da AT&T e com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara. A reforma esteve em pauta em todos os encontros. No governo não pairam dúvidas de que ela seguirá adiante. E será aprovada, ao fim e ao cabo. Resta saber se irretocável ou com avarias. Aí que mora o problema. A diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, uma das executivas mais importantes do planeta, dona de uma fortuna pessoal que beira a casa dos US$ 1,6 bilhão, costuma dizer em suas poucas aparições públicas: “Feito é melhor do que perfeito. Mirar a perfeição causa frustração, no melhor cenário, e paralisa, no pior”. Guedes está correto em buscar a perfeição. Mas, ao tomarem conhecimento da proposta que o czar da Economiaa considera ideal, deputados e senadores da base do governo, que são os que de fato terão de aprovar a reforma, ficaram petrificados de receio. E a cizânia em torno da ideia foi parar dentro da própria Esplanada dos Ministérios, com Paulo Guedes tendo um opositor de peso: o próprio presidente Jair Bolsonaro, que seria contra pontos da proposta ideal que o ministro defende com tanto vigor. Na largada, o governo vive o dilema. É melhor apresentar uma proposta ideal e lapidá-la a partir da negociação, o que leva a um risco de desgaste público diante da impressão de que, ao final, o governo sairá perdendo? Ou remodelar de saída a proposta, tornando-a já mais palatável para que tenha tramitação e aprovação mais céleres no Congresso?

FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS

“A proposta de reforma da Previdência é uma construção democrática. E vai seguir o rito convencional” Paulo Guedes, ministro da Economia

Uma minuta de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que foi apresentada como a reforma perfeita pretendida por Paulo Guedes tornou-se pública na terça-feira 5. Ela prevê uma mesma idade mínima para aposentadoria de homens e mulheres, aos 65 anos; um tempo mínimo de contribuição de 20 anos para trabalhadores que recolhem para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e de 25 anos para os servidores públicos, com o benefício sendo pago na integralidade após 40 anos de contribuição; a criação do sistema de capitalização, a partir do qual o trabalhador passa a fazer uma poupança própria para a sua aposentadoria, além do atual sistema no qual trabalhadores da ativa contribuem para criar os recursos para os aposentados e a instituição de uma renda mínima de R$ 500 para pessoas de baixa renda que não tenham contribuição previdenciária.

IDADE MÍNIMA

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O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende que todos, homens e mulheres, se aposentem aos 65 anos. Jair Bolsonaro prega que seja 62 anos para homens e 57 para mjulheres. Há ainda uma terceira possibilidade em discussão: 65 anos para homens e 62 para mulheres

Tão logo a minuta ganhou a luz do sol, gerou controvérsias. No Congresso, parlamentares disseram a ISTOÉ que, se enviada nesses moldes, a reforma não passa. Diante da reação, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, declarou que o texto, divulgado inicialmente pelo jornal O Estado de S. Paulo, era uma das minutas em estudo, não o projeto que efetivamente será enviado ao Congresso. E o vice-presidente Hamilton Mourão tratou de dizer que nem mesmo o presidente Bolsonaro era favorável àqueles termos propostos. Bolsonaro seria contra o estabelecimento de uma mesma idade para a aposentadoria de homens e mulheres. Confrontado com a polêmica, Paulo Guedes tratou de recuar. Disse que o projeto ainda está em fase de calibragem. “Saindo da cirurgia, o presidente olha e diz: ‘Isso aqui, sim. Isso aqui, não’. Ele tem o cálculo político dele. Estamos calibrando”.

TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

A proposta de Paulo Guedes define que o trabalhador para se aposentar tenha contribuído no mínimo por 20 anos. Para obter a aposentadoria integral, teria de contribuir por 40 anos

Assim, fontes ouvidas por ISTOÉ dizem que hoje só há mesmo três certezas. A primeira é que o projeto de reforma será encaminhado ao Congresso em algum momento das próximas duas semanas. A segunda é que ele incluirá o sistema de capitalização no novo modelo. E a terceira é que haverá algum aumento na idade mínima para a aposentadoria. De resto, não está fechado sequer se ficarão mesmo de fora os militares. Ou se nessa condição especial virão a ser incluídos também os policiais e bombeiros.

Apesar de Onyx dizer que a proposta que se tornou pública é uma minuta diferente do que de fato será apresentado, ela é mesmo o projeto que Paulo Guedes gostaria de ver aprovado. O ministro é a favor de uma proposta mais radical. Aquela que, segundo ele, resgate a economia nacional e reacomode o País na trilha do desenvolvimento. Bolsonaro, porém, já percebeu que uma mudança ortodoxa demais enfrentará uma tremenda resistência no Congresso e corre o risco de ficar pelo caminho. Mais do que isso, seria iniciar o governo com o desgaste de uma derrota política. Instalou-se, assim, um impasse. À visão mais política e pragmática, associa-se ao presidente Onyx Lorenzoni. Já Guedes tem utilizado sua influência no mundo econômico para tentar emplacar seus argumentos em torno da necessidade de uma reforma que, mesmo sendo mais amarga, seja mais factível de levar a uma solução definitiva do problema. Que não seja um mero paliativo que acabe por exigir nova discussão de reforma em cinco ou dez anos. Quem pensa e vive economia está com ele e não abre. Sobretudo a ala liberal do pensamento econômico, hoje muito influente.

PERÍODO DE TRANSIÇÃO

A proposta definirá um tempo de transição do atual modelo para o novo. Caso consiga aprovar uma reforma mais radical, Paulo Guedes admite um prazo de transição de 20 anos. Caso, porém, só consiga fazer uma reforma mais “light”, ele chega a falar em cinco anos

Na polêmica interna, estão alguns dos pontos nevrálgicos da reforma. Guedes quer aposentadoria aos 65 anos para todos. Bolsonaro defende que ela se dê aos 62 anos para homens e aos 57 para mulheres. A inclusão da aposentadoria dos militares tem um aliado inusitado à primeira vista. Guedes defende que os militares se aposentem após um mínimo de contribuição de 35 anos. Hoje, esse tempo é de 30 anos. O vice Hamilton Mourão é a favor. Bolsonaro, que durante anos teve uma atuação parlamentar que se confundia com uma espécie de proteção sindical dos militares, é contra. Por outro lado, integrantes do governo dizem que a criação de uma renda mínima para pessoas de baixa renda desagradou ao presidente. Guedes a defende dizendo que ela serve de incentivo ao cidadão para que, melhorando de situação, ela mesmo anime-se a vir a contribuir com o sistema previdenciário por acreditar nele.

“Vou estar à frente das negociações e a intenção é aprovar a reforma em dois ou três meses” Rodrigo Maia, presidente  da Câmara

Entre avanços — e, agora, eventuais recuos — a expectativa de Paulo Guedes é poder discutir diretamente com Bolsonaro a reforma na próxima semana, quando o presidente deixar o hospital, onde ele se recupera da cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia, que usava desde o atentado perpetrado por Adélio Bispo. A expectativa é que Bolsonaro retorne ao Palácio do Planalto na terça-feira 12. Depois de apresentar as alternativas, relatar os números, as tabelas, os prós e contras de todos os cenários, Guedes pretende finalizar a proposta, ao lado do presidente, até o final da próxima semana. Neste cenário, a mensagem presidencial com a PEC poderia ser encaminhada ao Congresso a partir de 18 de fevereiro. “Nós vamos ser bem mais precisos mais brevemente. Estamos acertando justamente isso. O importante é que ela tenha competência fiscal para resolver o problema. O segundo é que ela inaugure um período novo para a previdência”, ressaltou Guedes após encontro com o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) na terça-feira 5.


Independentemente da proposta que chegue ao Congresso, não será trivial remover os focos de resistência. Hoje, segundo apurou ISTOÉ, o governo ainda não teria garantida sequer maioria simples (260 votos) para aprovar um projeto que exige quorum qualificado por se tratar de emenda constitucional (380 votos). O próprio presidente da Câmara admitiu isso publicamente ao dizer que o problema não é a tramitação da proposta na Casa, mas a falta de apoio para as mudanças. “O nosso problema não está no regimento. O nosso problema está, como esteve no governo anterior, em não ter votos. O que nós tínhamos de problemas no governo do presidente Michel Temer é que em determinado momento nós não tínhamos maioria para aprovar a reforma da previdência”, afirmou Rodrigo Maia.

RENDA MÍNIMA

Uma das propostas em é criar regras diferenciadas para os beneficiários do Benefício da Prestação Continuada, concedido a pessoas de baixa renda ou que não tenham conseguido contribuir o mínimo necessário. O piso seria de R$ 500, a ser pago a partir dos 55 anos. O valor aumentaria para R$ 750 para os idosos com 65 anos

Nem mesmo o partido do presidente lhe garante um apoio mais sólido quando se trata da reforma da Previdência. Especialmente nos grupos mais ligados aos militares e à polícia. A falta de experiência do líder do governo na Câmara, Major Hugo (PSL-GO), pesou também na largada. Líderes partidários simplesmente ignoraram esta semana uma reunião convocada por Hugo pelo whatsapp. Ficaram incomodados com a informalidade. O convite foi feito pela secretária do deputado, e não pessoalmente. Deputados dizem desconfiar que Hugo não dispõe de uma articulação direta com a Casa Civil, além de lhe faltar traquejo com os parlamentares mais experientes. Tanto Maia como o novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já sinalizaram que vão trabalhar intensamente pela tramitação rápida da proposta. Na Câmara, Maia acredita que o texto possa ser aprovado até maio. Alcolumbre trabalha com o prazo de três meses após a PEC sair da Câmara. Deve-se ressaltar que, como se trata de uma PEC, serão necessárias duas votações em ambas as Casas antes da promulgação. O governo deu a largada. A proposta segue. Entre o mundo real pretendido por Paulo Guedes e o de quem de fato a aprovará na Câmara e no Senado ainda há longo e intrincado caminho.


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