A prefeitura de Porto Alegre iniciou no domingo, 29, o fechamento de todas as comportas do sistema de proteção após o nível do lago Guaíba voltar a subir. Na última quarta-feira, 25, o lago chegou a extrapolar a cota de inundação, assinalando 3,01 metros de profundidade próximo ao Cais Mauá, no centro histórico da cidade. A cheia decorre das chuvas que atingem o Rio Grande do Sul e já deixam milhares de pessoas desabrigadas.
Com as recentes movimentações pluviais, é comum lembrar da tragédia ocorrida no estado gaúcho durante 2024. Após um grande volume de chuva, as águas dos rios e lagos inundaram diversos municípios e causaram uma calamidade sem precedentes para os sulistas. Apesar da associação legítima, especialistas ainda enxergam a situação como estável e mantêm o Guaíba sob observação.
As sequelas do último ano deixaram Porto Alegre exposta e a possibilidade de alagamentos deixa as autoridades em alerta. Mas afinal, porque a cidade continua vulnerável?
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Por que o Guaíba inunda?
Quando as enchentes do ano passado eclodiram, o lago Guaíba chegou a bater a cota de 5,37 metros – muito acima da atual. Pelo o que explica o professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Fernando Fan, as cheias se dão, de modo geral, pelo grande volume de chuvas que tocam o estado em determinadas épocas do ano.
O especialista também lembra que o Guaíba não é tocado apenas por chuvas diretas, já que os temporais que atingem a bacia hidrográfica da área drenam em direção ao lago.
“A bacia hidrográfica preenche todo aquele espaço. As água que caem sobre ela drenam para o único ponto de saída, então toda a bacia drena em direção ao Guaíba“, explica.
Um dos agravantes da situação é que o Rio Grande do Sul passa por um período excepcionalmente úmido, o que contribui para maior incidência pluvial. Além disso, segundo diz Fernando, os níveis ambientais extremos demonstram os efeitos das mudanças climáticas mundiais.
“Tudo isso pode ser justamente sinal das mudanças climáticas. Entre de todas as regiões do Brasil, o local que as projeções apontam com maior aumento da ocorrência de inundações, justamente pelo aumento das chuvas volumosas e prolongadas, é o estado do Rio Grande do Sul”, ressalta ele.
As vulnerabilidades de Porto Alegre
A cidade de Porto Alegre tem um sistema de proteção contra enchentes. Esse mecanismo protege a cidade, teoricamente, até a cota 6 metros do Guaíba – enquanto as inundações começam a acontecer a partir dos 3 metros de profundidade.
Porém, o sistema de prevenção não abrange todas as regiões: ainda há ilhas do lago Guaíba e parte da zona Sul da cidade que não possuem tais mecanismos, o que costuma deixar as áreas vulneráveis mesmo quando o nível das águas não está tão elevado.
Para piorar o cenário, o professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS pontua que os dispositivos de segurança foram “claramente negligenciados durante décadas”.
“Durante décadas, não foi dada devida atenção e manutenção ao sistema. Então, quando ele precisou operar de verdade, acabou demonstrando que tinha várias fragilidades”, indicou.
“Por exemplo, a casa de bombas não funcionou e a água retornou no sentido inverso pela casa de bombas. Outra coisa que aconteceu foi que tinha espaço, vãos, entre as comportas e o muro de proteção – ou seja, a água passava por ali. Na zona norte, o dique tem furos em alguns locais e, em outros, ele foi construído numa cota rebaixada”, continuou.
Tendo isso em vista, a reconstrução do sistema leva tempo. Possivelmente porque essas etapas, além de demandar projetos de engenharia, de revisão, levantamento de dados, também contam com necessidade de licitações, contratações, que exigem burocracias para ocorrerem. Assim, devido à calamidade instalada em 2024, muitas das instalações ainda não estão de pé.
“Então, por isso que Porto Alegre, atualmente, tem essa vulnerabilidade, mas a gente tem a expectativa de que na medida que o sistema for ser recolocado de pé, o centro da cidade, a zona norte, estariam protegidas de novas inundações até seis metros”, finaliza.