“Todos os pontos de vista são bem-vindos e todos os pontos de vista são necessários” na COP28, que começa na quinta-feira (30) em Dubai, afirma seu presidente, Sultan al Jaber, que também é CEO da petrolífera nacional dos Emirados Árabes Unidos.

E por “todos”, Al Jaber faz referência às delegações nacionais, como grupos lobistas e grandes empresas do setor petroleiro.

– Grupos de lobby serão permitidos na COP? –

As conferências climáticas da ONU reúnem “líderes, especialistas e pessoas de influência” na “zona azul”, dedicada às negociações, disse a ONU, sem mencionar especificamente os “lobbies”.

Mas estes grupos poderão obter o credenciamento como parte de uma delegação nacional ou como uma das mais de 2.000 organizações “observadoras” – ONGs ou associações profissionais.

A ausência de regras claras sobre conflitos de interesse é frequentemente criticada.

Desde a última segunda-feira, a presidência da COP28 tem sido acusada de conflito de interesses, após a rede britânica BBC revelar relatórios internos de reuniões que incluíam pontos de discussão sobre projetos energéticos dos Emirados.

Os documentos supostamente foram utilizados em encontros entre Al Jaber e os governos nacionais entre julho e outubro de 2023.

“Quando pensamos em grupos de pressão, pensamos em reuniões a portas fechadas entre empresas e tomadores de decisão”, explica à AFP Faye Holder, da empresa InfluenceMap. Mas isto também pode incluir “publicações nas redes sociais, publicidade, patrocínios ou o uso do peso de organizações profissionais”, acrescenta.

Até este ano, a ONU não exigia que cada participante demonstrasse a “afiliação” ao seu empregador e a relação precisa (também financeira) com a organização através da qual solicitou o credenciamento, dificultando muito a detecção de lobistas.

Em uma carta aos líderes da ONU, cerca de 60 membros do Congresso americano e do Parlamento Europeu reiteraram, no final de novembro, sua “profunda preocupação sobre as atuais regras climáticas da ONU que permitem que os poluidores do setor privado exerçam influência indevida” nas negociações.

Um relatório de especialistas solicitado pela Organização das Nações Unidas faz um apelo às entidades governamentais para uma maior transparência sobre suas afiliações e reafirma que “não podem exercer pressão para minar” direta ou indiretamente “a ambição das políticas climáticas dos governos”.

– Novo recorde? –

A COP27 no Egito, em novembro de 2022, registrou um recorde de 636 lobistas das energias fósseis credenciados, um número 25% maior do que no ano anterior, segundo a Global Witness, que analisou meticulosamente os currículos dos participantes. A instituição garantiu à AFP que prevê um novo recorde em 2023.

Nas últimas duas décadas, a coalizão de ONGs Kick Big Polluters Out calculou que pelo menos 7.200 representantes do lobby dos combustíveis fósseis foram credenciados, o que representa 2% do total de participantes.

Mas “é apenas a ponta do iceberg” porque alguns podem ter ficado fora do radar e representantes de outros setores como agricultura, construção, transportes ou têxteis não foram analisados, explicam as organizações.

A coalizão afirma que o número supera muito os membros das delegações enviadas por países pequenos muito vulneráveis à mudança climática e também o de ativistas de ONGs.Muitas empresas nacionais de petróleo e gás estão diretamente integradas às delegações oficiais dos seus países.

Paradoxalmente, a COP28 pode ser a primeira conferência na qual o papel das energias fósseis nas negociações será abordado de forma direta, segundo especialistas.

Al Jaber contou à AFP que planejava envolver todas as indústrias para “responsabilizá-las”.

Algumas ONGs pedem um boicote, mas outras optam por comparecer em massa para contrariar os grupos de lobby.

– Desdobramentos –

Em um caso claro da influência das petrolíferas no processo das conferências da ONU sobre o clima, o Acordo de Paris de 2015 criou em seu artigo 6º um mecanismo de troca de créditos de carbono, o que é exigido há anos pela indústria.

Por quatro anos “pressionávamos” por este mecanismo, reconheceu David Hone, conselheiro climático da gigante petroleira Shell, em 2018.

“Podemos receber parte do crédito pela existência do artigo 6º”, explicou em uma conferência organizada pela IETA, uma organização profissional fundada principalmente por empresas petrolíferas que recebeu dezenas de credenciamentos em cada COP.

Em Dubai, lobistas podem influenciar no “vocabulário” dos textos, de acordo com Faye Holder, que sinaliza a inclusão nos debates sobre soluções de captura e armazenamento de CO2 ou de hidrogênio verde e dos “gases de baixo carbono”.

A questão é saber se a expressão “redução das energias fósseis” será mantida ou se acrescentarão a palavra “unabated”, ou seja, sem captura ou armazenamento de CO2. Um termo “hipócrita”, segundo Holder, que fará “a diferença” ao criar uma possível brecha para a indústria de petróleo e gás.

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