Guilherme Amado Coluna

Coluna: Guilherme Amado, do PlatôBR

Carioca, Amado passou por várias publicações, como Correio Braziliense, O Globo, Veja, Época, Extra e Metrópoles. Em 2022, ele publicou o livro “Sem máscara — o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos” (Companhia das Letras).

Grupo de Marina Silva tenta reassumir Rede, mas não descarta outro partido para 2026

Aliados da ministra do Meio Ambiente preparam ofensiva judicial para anular congresso da Rede que elegeu grupo de Heloísa Helena

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O cenário da Rede hoje é de cisão completa. De um lado está o grupo da ex-senadora Heloísa Helena, que venceu a eleição pelo comando da legenda em 2023 e repetiu o feito neste ano. De outro lado, aliados da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a fundadora do partido, tenta provar na Justiça que houve fraude no Estatuto da Rede para anular o resultado do último congresso.

Em entrevista à coluna, o coordenador Nacional de Organização da Rede, Giovanni Mockus, diz que as duas não se falam desde 2023. Ele acusa Heloísa de ter conquistado o controle do partido de forma autoritária.

Apesar da nova ofensiva judicial, Mockus afirma que o grupo de Marina Silva, incluindo a própria ministra, não descarta a possibilidade de deixar a Rede e se filiar a outra legenda para concorrer às eleições de 2026. Essa decisão dependerá do resultado da briga judicial.

“Nossa posição hoje no grupo é continuar lutando pela Rede, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista jurídico, para viabilizar o partido para as eleições de 2026. Com base no resultado dessas lutas, esse grupo vai avaliar o que vai fazer”, afirma Mockus.

Também à coluna, Heloísa Helena respondeu aos ataques. Disse que ela foi alvo de ataques por parte do grupo de Marina: “Esse rapaz e o grupo dele me tratavam o tempo todo com denominações de cachorra louca, velha derrotada”.

Leia abaixo, a entrevista concedida por Giovanni Mockus.

Hoje a Rede é dividida em dois grupos políticos rompidos: o da Marina Silva e o da Heloísa Helena. No último congresso da Rede, o grupo de Heloísa Helena conseguiu se manter no controle do partido. Como isso aconteceu?
Tem sido bem intenso o processo que a gente vem passando na Rede, não só do congresso do partido para cá, mas é algo que se arrasa há quase quatro anos, desde que a Heloísa assumiu a presidência do partido pela primeira vez. A gente teve ações judiciais durante a gestão da Heloísa com êxito. Uma deles foi sobre o afastamento ilegal da nossa tesoureira. A gente conseguiu decisão judicial para retornar ela ao cargo. O desembargador entendeu que foi uma remoção fora do estatuto, autoritária. Isso ajudou a equilibrar um pouco a gestão, mas foi uma gestão muito turbulenta. A Rede sempre foi muito unitária, muito do consenso. Mas, a partir do momento que a Heloísa assume a presidência do partido e depois insiste numa reeleição, que também não é uma prática nossa, algumas atitudes autoritárias começaram a surgir e, uma vez que as ferramentas que o estatuto tem à disposição para impedir esses ímpetos falham, eles são desvirtuados pela própria gestão, não nos dão muita alternativa a não ser ir mesmo para o Judiciário entrar com algumas ações. Hoje são cerca de 30 ações, a maioria concentrada no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, porque a sede do partido político é em Brasília. Mas temos outras ações em estados.

O que motivou tantas ações judiciais?
O processo da Rede de eleição não é uma eleição direta, como o PT está fazendo agora, que os filiados se cadastram e fazem a votação das chapas nacionalmente. É um sistema de delegados. Tem a fase dos municípios, que fazem uma conferência, essa conferência elege a direção do município e tira delegados para a conferência estadual. Da conferência estadual, formada pelos delegados que eram dos municípios, tira-se a direção estadual e são eleitos os delegados para a conferencia nacional. A partir daí temos, o congresso do partido, que elege a nova direção e encerra o processo. Esse processo acontece a cada dois anos. Como a gestão da Heloísa foi muito pesada foi muito difícil todos os estados, do ponto de vista politico, ela perdeu muito espaço na base real do partido com os filiados.

Pesada em que sentido?
Autoritária, retirando direito das direções estaduais, retirando prerrogativa, fazendo pressão política: “ou você me apoia em tais pontos, ou seu estado não vai ter fundo eleitoral”. A gente viveu na Rede uma dinâmica de poder partidário que se assemelha aos partidos tradicionais, mas que não eram do nosso repertório e nunca existiram no nosso partido. Isso assustou muita gente.

O grupo da Heloísa Helena infringiu as regras do partido?
A partir do momento que isso foi acontecendo nos estados e foi se aprofundando perto do congresso, a Heloísa percebeu que, com as regras eleitorais do partido, ela não ia conseguir a manutenção do controle para o grupo dela. Em dezembro de 2024, eles mudaram, do dia para a noite, 100% das regras eleitorais da Rede, mantendo esse sistema de delegados, mas retirando prerrogativas das direções estaduais e acabando com mecanismos de fiscalização e controle. Isso gerou nos municípios e nos estados uma instabilidade muito grande. O município escolhia delegados, o estado escolhia delegados, e o grupo da Heloísa falava que aqueles delegados não eram válidos por X Y Z. Isso deu início às ações nos municípios e nos estados.

Mas também foram ajuizadas ações de âmbito nacional?
Isso, a gente teve cinco ações nacionais que eu assino como coordenador Nacional de Organização da Rede. Pelo estatuto do partido, era prerrogativa do meu cargo organizar o congresso. Eles esvaziam essa prerrogativa em uma resolução, o que, para a gente, foi uma reforma estatutária fora da legislação. Eles esvaziam as minhas prerrogativas, criam uma comissão eleitoral apenas com pessoas do grupo da Heloísa que diz o que vale e o que não vale. Isso virou um caos nos estados. As ações foram para barrar o congresso. A gente conseguiu uma liminar 48 horas antes para suspender o congresso nacional da Rede, mas depois foi derrubada. Aí o Congresso acabou acontecendo da forma como foi.

Qual o próximo passo da briga judicial?
A maioria das ações pediam a suspensão do congresso por fraude nessa cadeia de eleição de delegados. Nossa tese é que, como falhou na origem, todo o processo acaba sendo viciado. Agora, nesse pós congresso, é uma outra fase. A gente vai ingressar com outras ações para comprovar a fraude que aconteceu.

A expectativa é que seja realizado um novo congresso?
O que a gente pede na justiça é que seja. Esse congresso foi fraudado. O que a gente pede para a justiça é que se suspenda todo esse processo e se determine um novo congresso no partido, com base nas regras reais do partido, que são as regras que foram aplicadas às ultimas cinco eleições. O último congresso da rede foi feito com regras totalmente diferentes.

Existe hoje uma onda de ataques à ministra Marina Silva, dentro do governo, no Congresso e dentro do próprio partido dela. Ela está ressentida com a situação dela na Rede?
Ela fala que, entre ser otimista ou pessimista, ela é persistente. A forma como o projeto da Rede foi montado 12 anos trás, desde que a gente fundou o partido e fomos construindo, foi uma tentativa de organizar a estrutura partidária na forma de fazer política que ela acredita e que ela pratica em 40 anos de vida pública. É claro que, quando você propõe um novo modelo de organização político-partidária, em um ambiente que é totalmente tradicional, o próprio sistema tenta atacar. A gente entende que é isso o que tá acontecendo. Na lógica partidária, esse viés da Heloísa de tentar impor um partido tradicional vai frontalmente contra a visão que a ministra Marina tem de organização partidária. É aí que os dois grupos se dividem. Não é uma questão ideológica, é uma questão de forma de organização desse sistema político partidário. Mas a Marina está lutando e vai lutar até o final, essa é a posição que a gente tem. Nosso grupo é grande, a gente não acredita que esse número a que eles reduziram a gente oficialmente é o nosso tamanho no partido. Na nossa conta, eles anularam 43% dos delegados. Se não fosse essa nulidade, a Marina tem sim maioria dentro da Rede. E, diante de tamanha injustiça, a gente vai até as últimas instâncias do Judiciário para provar isso.

Essa luta da ministra continuará dentro da Rede, ou ela cogita se filiar a outro partido?
Uma coisa é essa briga e essa luta na construção e fortalecimento de um partido que representa uma política que a gente acredita. Outra coisa é nossa responsabilidade, não só dela, mas desse grupo político, com o país em 2026. São coisas que, nesse momento, infelizmente, estão separadas. Candidaturas para 2026 é um outro debate. A Rede em si, a gente vai continuar lutando até o final, até a última instância do Judiciário.

Sobre 2026, tem uma posição sobre apoiamentos da Rede? Imagino que deve ser difícil alinhar isso diante desse cenário de briga interna.
Sim, você está certa. Estamos inseridos em uma federação com o Psol. O que acontece no nosso partido acaba impactando em outros partidos. É um ecossistema complexo. Além da ministra Marina, que é deputada federal por São Paulo licenciada, a gente tem outros parlamentares na Rede que também estão olhando para 2026, olhando de que forma podem ir para as eleições e contribuir para o país, dentro da visão de sociedade que a gente defende. Então, esse é um debate vai ser feito dentro desse grupo político sim, sem dúvida nenhuma.

Nesse cenário atual, tem espaço para a ministra se candidatar pela Rede em 2026?
Tem espaço. A questão é se ela quer e se esse grupo quer se candidatar pela Rede em 2026, porque a gente não tem segurança hoje de como as coisas vão acontecer. A legislação partidária dá muito poder para o presidente do partido. Nessa insegurança toda, a pergunta é: o que a Rede quer? Como a Rede olha para essas candidaturas, que não é só a ministra Marina, é uma série de quadros que dão uma contribuição para Brasil e para o partido e que estão nesse processo.

Se a Rede abrir esse espaço, é possível trabalhar essas candidaturas?
O que o partido não pode é ficar achincalhando todos os nossos quadros eleitorais e agora, na véspera da eleição, falar: “Vamos ser amigos, se candidate pela gente para vocês gerarem mais Fundo Eleitoral para esse partido usar contra vocês”. É um pouco do que aconteceu nesses últimos anos. Inclusive, a gente teve uma uma situação complexa na Rede na divisão do Fundo Eleitoral de 2024. Este grupo que hoje a gente domina é responsável por 75% do Fundo Eleitoral do partido e a gestão da Heloísa só destinou menos de 38% para as nossas candidaturas. E, ainda assim, a gente elegeu mais vereadores e vereadoras nas eleições do que o grupo de Heloísa.

Então não está certo que a ministra Marina Silva e outros parlamentares ligados a ela vão se candidatar pela Rede em 2026?
Esse é um debate que ainda está acontecendo, não é uma decisão que vai ser tomada do dia para a noite. Nossa posição hoje no grupo é continuar lutando pela Rede, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista jurídico, para viabilizar o partido para as eleições de 2026. Com base no resultado dessas lutas, esse grupo vai avaliar o que vai fazer.

Vocês devem retirar da justiça essas 30 ações, já que o congresso terminou?
A gente não vai retirar. Agora, nesse novo momento, que o congresso já aconteceu, a gente vai ao Judiciário provar que houve fraude.

Essa fraude é relativa à retirada de delegados?
Sim, porque o congresso não tem como se fraudar. O colégio eleitoral que chegou para votar naquele congresso é que está fraudado.

Isso ainda não foi judicializado?
Ainda não, porque a gente está no estudo dos documentos. A gente vai comprovar nessa ação que houve fraude de fato. Será proposta uma ação no TJ-DF.

Essa não seria uma briga para ser resolvida politicamente, dentro do partido?
Uma tese que a gente está levantando é que o Judiciário está fazendo um esforço muito grande para combater essa decadência da política eleitoral. Talvez seja necessário também o Judiciário olhar para as estruturas partidárias. Porque é isso que está acontecendo com a Rede e, se acontecer de fato, pode levar a uma perpetuação de um grupo no poder. Já aconteceu em outros partidos. Você tem outros partidos que têm o mesmo presidente há 10, 20, 30 anos. E, como eu falei, o presidente detém, por força de lei, uma prerrogativa muito grande sobre quem é eleito e quem não é eleito, quem tem estrutura e quem não tem estrutura. Então uma vez que o Congresso Nacional não faz, por razoes óbvias, uma reforma política em cima das estruturas partidárias, talvez seja a hora de o Judiciário lembrar isso, para coibir abusos como o que está acontecendo.

Como está hoje a relação da Marina Silva com a Heloisa Helena? Elas se falam?
Sobre a relação pessoal delas, você tem que perguntar para elas. A relação política não existe, infelizmente. A última vez que elas se falaram, se não me engano, foi no congresso da Rede de 2023. A Marina foi extremamente atacada no congresso, foi chamada de amiga de banqueiro, um processo bem pesado. De lá para cá, as relações foram se agravando dentro do partido. Até porque a Marina, nessa construção de uma outra forma de organização político-partidária, tem uma visão não tão personalista. Então, ela não pega o telefone, liga pra Heloísa Helena e resolve todos os problemas do partido. Tem uma direção, tem um grupo, a própria ministra respeita isso. Quando ela vai fazer uma conversa, ela sempre leva a gente da direção junto para interagir. Tem uma direção constituída e essa direção tem que conversar. Agora, quando ela é alvo de ataques pessoais dentro do próprio partido, fica difícil.

O que diz Heloísa Helena:

Esse rapaz e o grupo dele me tratavam o tempo todo com denominações de cachorra louca, velha derrotada e chegaram ao ponto de jogar uma lata de cerveja numa militante nossa com uma criança nos braços e chamavam ela de cadelinha da Heloísa. Queriam que eu ficasse mansinha, fico não, viro onça mesmo, pois mansidão fingida nunca foi meu estilo, e sepulcro caiado, abomino. Criticar ataques da direita é fácil, mas são iguais a eles, pois usam o mesmo método criticado. Entretanto, ele se torna um criminoso e canalha da pior espécie quando diz que troquei Fundo Eleitoral por apoio, pois ele sabe que a tesouraria era do grupo deles e divisão do fundo eleitoral foi votada por unanimidade no Elo Nacional.

O que diz o coordenador de Comunicação da Rede, Paulo Lamac:

Veja a desconexão: a distribuição do Fundo Eleitoral se deu antes do início do período eleitoral de 2024… E foi aprovada por unanimidade! Se foi por unanimidade, pressupõe-se que todos concordaram. Como falar em pressões? E se essas absurdas e inexistentes pressões tivessem acontecido, por que a maioria que elegeu o grupo apoiado por Heloisa teria aumentado,no processo eleitoral interno que aconteceu neste ano de 2025, que não tem fundo eleitoral???
E digo ainda mais: O grupo minoritário recebeu 40% do fundo eleitoral, algo impensável nas estruturas partidárias tradicionais. Qualquer um que já esteve em partido político sabe que esse tipo de atendimento a minorias não é usual e, possivelmente, não encontra equivalente em outro partido.