O jornalista americano Glenn Greenwald disse nesta quinta-feira (13) ter recebido ameaças “grotescas”, inclusive contra seu marido e filhos, depois de ter publicado trocas de mensagens vazadas que mostraram que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, conspirou para manter o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fora da disputa presidencial de 2018.

Greenwald disse à AFP que “a violência política é uma realidade” no Brasil e que ele não deixará o país, depois que o site investigativo The Intercept, do qual é cofundador, publicou o material que colocou em dúvida a imparcialidade de Moro quando ele era juiz.

As conversas no Telegram – fornecidas ao The Intercept por uma fonte anônima – desencadearam pedidos para a renúncia de Moro, que liderava a operação Lava Jato antes de se juntar à equipe de ministros do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro.

Ninguém foi intocável na investigação, que começou em 2014 e prendeu políticos e empresários brasileiros ao descobrir saques em larga escala da estatal Petrobras.

Mas os críticos dizem que Moro – que condenou Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em 2017, pondo fim às suas aspirações eleitorais – teve como alvo principalmente o ex-presidente e seu Partido dos Trabalhadores (PT).

“Sabíamos que, quando publicássemos essas reportagens sobre figuras muito poderosas do governo Bolsonaro, isso geraria muito ódio, animosidade e ameaças”, disse Greenwald um dia depois que o The Intercept divulgou mais conversas entre Moro e o procurador-chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol.

“Recebemos algumas ameaças gráficas realmente repugnantes, detalhadas e grotescas que são muito perturbadoras, e levamos a sério”, disse.

As ameaças, enviadas por e-mail e mídias sociais, também tiveram como alvo seu marido, o deputado federal David Miranda (Psol-RJ), e seus dois filhos adotivos.

Greenwald, que fez parte da equipe que entrevistou Edward Snowden em 2013, reconheceu que os riscos eram maiores desta vez, dada sua proximidade física às pessoas que ele está acusando, mas disse que “absolutamente nunca deixaria o Brasil”.

“É o país que pertence aos meus filhos e a meu marido”, disse Greenwald.

“Tomamos todas as medidas que sentimos que devemos tomar para nossa segurança física e jurídica. Depois disso, você precisa seguir e fazer o seu trabalho. Jornalismo é sobre confrontar pessoas poderosas”, afirmou.

– Justiça corrompida –

Moro, herói de muitos brasileiros fartos da corrupção, manteve-se desafiador desde que o The Intercept publicou a primeira parte do que afirmou ser um “enorme acervo” de documentos, no domingo.

Nas conversas de grupo vazadas, procuradores da Lava Jato expressaram “sérias dúvidas” sobre as evidências contra Lula e “falaram abertamente” de querer impedir que o PT ganhasse a eleição presidencial de 2018, na qual Lula era apontado como favorito.

Moro repetidamente “extrapolou as linhas éticas que definem o papel de um juiz”, oferecendo conselhos aos procuradores e dicas para “novos caminhos de investigação”.

O ministro negou qualquer irregularidade e alega que as mensagens vazadas foram ilegalmente hackeadas. Investigadores da Lava Jato questionaram a autenticidade das conversar, dizendo que elas poderiam ter sido fabricadas.

 

Greenwald se recusou a discutir como a fonte do The Intercept obteve o material, que segundo ele mostrou que “Moro estava totalmente integrado ao trabalho da procuradoria” da investigação da Lava Jato.

“Eles mantinham um relacionamento colaborativo contínuo que viola a Constituição e o código de ética judicial de uma maneira que levanta questões sobre cada veredicto que Moro emitiu como parte do caso Lava Jato”.

Lula está cumprindo pena reduzida de oito anos e dez meses, depois de ter sido condenado por aceitar um tríplex na praia do Guarujá como suborno para ajudar a construtora OAS a obter acordos lucrativos com a Petrobras.

Uma segunda condenação, pelo caso do “Sítio de Atibaia” foi proferida em fevereiro, na qual ele foi sentenciado a 12 anos e 11 meses de prisão.

Lula nega todas as acusações de corrupção contra ele, argumentando que foram politicamente motivadas para impedi-lo de concorrer na eleição de 2018, que Bolsonaro venceu.

Embora os vazamentos tenham sido um duro golpe para a reputação de Moro, alguns analistas minimizaram a possível repercussão do escândalo, dada a popularidade do hoje ministro.

Bolsonaro, que não se pronunciou no Twitter sobre o vazamento das conversas e se recusou a responder às perguntas dos jornalistas sobre o assunto, foi a um jogo de futebol com Moro na quarta-feira, em sinal de seu apoio.

Em seus primeiros comentários públicos sobre o assunto, nesta quinta-feira, Bolsonaro afirmou que a atuação de Moro como juiz da Lava Jato “não tem preço” e disse que a invasão dos celulares do ministro e de procuradores foi uma ação “criminosa”, informou a mídia local.

Greenwald disse que não espera que Moro renuncie após as reportagens iniciais, mas questionou se o ministro poderá manter seu cargo ou ser eficaz à medida que o The Intercept publicar mais material.

“As principais vítimas do que estamos revelando é a sociedade brasileira (…) e as pessoas que foram punidas e presas por um processo que foi claramente dirigido por pessoas que não tinham nenhuma consideração pelas regras que devem obedecer”, disse Greenwald.

“Quando essas regras são violadas, todo o sistema de justiça é corrompido”.