A homologação do plano de recuperação extrajudicial do Grupo St Marche, aprovada em outubro pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, tornou-se um dos principais marcos recentes do mercado de reestruturação de dívidas no país. A rede de supermercados conseguiu repactuar cerca de R$ 528 milhões com seus credores, em um acordo que previu deságios de até 80% e prazos de pagamento de até 30 anos.
De acordo com a advogada Patrícia Maia, sócia do Barbosa Maia Advogados, escritório especializado em recuperação de ativos e estruturação de operações financeiras, o caso exemplifica uma nova fase no ecossistema jurídico-financeiro. “Os credores têm aceitado deságios altos para evitar falências, mas quem conhece o mercado e age com estratégia pode alcançar resultados muito mais favoráveis. Em dois grandes casos recentes, conseguimos retirar nossos clientes de planos de recuperação extrajudicial, garantindo o recebimento integral dos créditos devidos”, afirma.
Segundo dados da Serasa Experian, o Brasil registrou 2.273 pedidos de recuperação judicial em 2024, o maior volume desde o início da série histórica, representando um aumento de 61,8% em relação ao ano anterior. As recuperações extrajudiciais, por sua vez, somaram mais de R$ 37 bilhões em dívidas renegociadas no mesmo período, conforme levantamento do Colégio Notarial do Brasil (CNBSP).
Para Patrícia, esse crescimento reflete tanto o cenário macroeconômico, marcado por juros altos e crédito restrito, quanto a maturidade jurídica dos players do setor. “As empresas estão mais dispostas a negociar cedo, antes que a crise se torne pública ou judicializada. O desafio é equilibrar a necessidade de preservar o caixa com o dever de respeitar credores e contratos”, explica.
No caso do St Marche, o plano aprovado em São Paulo seguiu uma lógica que vem se consolidando entre grandes grupos: reestruturações extrajudiciais rápidas, com foco em preservar o valor da marca e assegurar a continuidade das operações. A homologação, que levou pouco mais de seis meses, ficou bem abaixo da média nacional, que costuma variar entre 12 e 18 meses para planos dessa natureza.
Ainda que as recuperações extrajudiciais sejam vistas como instrumentos de agilidade, a advogada destaca que muitos credores têm conseguido resultados melhores fora desses planos. “Em alguns casos, a simples retirada do crédito da recuperação, com reforço das garantias e revisão contratual, evita anos de litígio e perda de capital. É uma questão de leitura técnica e timing”, afirma.
Estudos da Turnaround Management Association (TMA Brasil) mostram que apenas 23% das empresas sobrevivem após um pedido de recuperação judicial, o que reforça os riscos para credores que aceitam deságios expressivos. Nesse cenário, as estratégias de antecipação e blindagem contratual se tornam diferenciais competitivos.
A advogada aconselha que o momento exige atuação coordenada entre as áreas jurídica e financeira. “O ciclo econômico está em transição, e 2026 tende a exigir liquidez e transparência. Quem estrutura bem suas garantias e revisa os contratos antes da crise chega mais forte ao próximo ciclo. Recuperar crédito hoje é, acima de tudo, uma decisão estratégica”, finaliza.