Em 2017, a britânica Dezeen, uma das mais conceituadas revistas online de arquitetura e design do mundo, após ter compilado dados referentes às 100 maiores empresas do setor em todo o globo, divulgou a notícia de que apenas três delas – todas escandinavas – eram chefiadas por mulheres. Isso sem considerar que apenas duas registravam um número superior a 50% delas atuando em suas equipes.

“Infelizmente, não posso dizer que nossa realidade seja muito diferente. Por outro lado, me surpreende nossa força em todos os elos da cadeia produtiva: do design à construção”, afirma a arquiteta e CEO, Fernanda Marques (fernandamarques.com.br), à frente de uma empresa que contabiliza 30 colaboradores – 65% deles, mulheres.

Embora nada indique que a proporção de empresas dirigidas por mulheres – ou operadas por elas, como no caso de Fernanda – tenha se alterado significativamente nos últimos anos, fato é que a presença feminina nos domínios das disciplinas criativas, aqui e lá fora, está longe de ser desprezível.

Movidas por muita determinação e exercitando os mais diversos estilos, há pelo menos um século, mulheres vêm pensando e repensando conceitos relacionados ao projeto de móveis, ambientes, edifícios e objetos. Uma produção ininterrupta e consistente, que acabou por gerar uma seleta galeria de criadoras. Profissionais que revolucionaram conceitos, fizeram escola e hoje movimentam uma legião de seguidoras fiéis.

“Reconheço traços do trabalho da francesa Andrée Putman em muitos dos meus projetos. Divido com ela o gosto pela simetria, a sensibilidade moderna e o rigor em tudo o que eu faço”, afirma a designer de interiores Paola Ribeiro (paolaribeiro.com.br), que se refere a Putman com a intimidade de uma amiga de longa data.

Em um de seus mais recentes projetos, um apartamento para uma empresária que passa temporadas em São Paulo, Paola fala de perto ao ideário da designer francesa. Investe no preto, sua cor fetiche, opta por montar uma mesa com peças atemporais (com as cadeiras Tulipa, de Eero Saarinen) e, sobretudo, redesenha o piso da cozinha. “Adoro contrapor o preto ao branco, como em um tabuleiro de xadrez”, declara ela, apontando uma das combinações clássicas no universo estético da grande dama do design francês.

Nem sempre, no entanto, a identificação com a obra de determinada criadora se dá assim, de maneira literal. Por vezes, a inspiração pode vir a integrar o repertório de uma profissional, ainda que ela não se dê conta disso. Como ocorre nesta casa de campo, projetada por Fernanda Marques, em Porto Feliz, interior de São Paulo, que teve como premissa básica alcançar a máxima integração com a paisagem.

No caso, por meio de uma estrutura leve, de grandes aberturas e superfícies envidraçadas. Não por acaso, três elementos fundamentais na obra de outra celebrada arquiteta, a ítalo-brasileira Lina Bo Bardi. “Claro que não pretendo apontar uma vinculação direta entre este projeto e a genial Casa de Vidro, construída por ela no Morumbi. A locação, os materiais, o modo de vida são outros. Mas a busca pela transparência, dentro e fora da casa, estão bem presentes”, diz Fernanda.

Admiradora incondicional de Lina desde os tempos da faculdade, ela aponta a simplicidade, a clareza das soluções e a preocupação social como as mais importantes contribuições da arquiteta para sua formação. “Me agrada particularmente a atenção que ela dedica a quem interage com suas obras. É algo que persigo em todos meus projetos”, comenta.

Dos interiores, passando pelo edifício e chegando ao objeto, os valores modernistas, tão bem expressos por Lina em suas obras, permanecem uma referência forte. Ao menos para a designer Nara Ota (naraotadesign.com). Uma arquiteta especializada em joalheria que se encantou pelo latão e, a partir daí, passou a criar objetos densamente poéticos. Vasos, pequenas esculturas, peças que escapam a qualquer definição. Mas todos, invariavelmente, bastante femininos.

“O movimento Moderno, como um todo, me impressionou muito. Talvez por traduzir um período no qual as mulheres tiveram dificuldade de expressar seu lado mais delicado e sedutor, até pela necessidade de mostrar força. De impor sua capacidade de concorrer com o trabalho masculino. De se mostrar menos frágil, enfim”, arrisca ela.

Recentemente porém, arrumando sua biblioteca, Nara se deparou com um volume dedicado à obra da arquiteta italiana Paola Navone e se identificou de imediato. “Ela trabalha com menos defesas, expressa um lado mais afetivo. Mistura cores, formas, materiais. Tudo com muita delicadeza, mas sem jamais perder a força que acredito acompanhar todo trabalho feminino”.