Grandes manifestações marcam o primeiro mês de sangrento surto social na Colômbia

Grandes manifestações marcam o primeiro mês de sangrento surto social na Colômbia

Milhares de colombianos voltaram às ruas nesta sexta-feira (28), um mês após o início dos protestos contra o presidente Iván Duque que mergulharam o país em uma crise social sem precedentes em meio à pandemia.

Em Bogotá, Medellín, Cali e outras partes do país, marchas e comícios avançam contra a repressão policial e o enfrentamento da emergência econômica que o vírus desencadeou.

Embora em sua maioria pacíficas, as manifestações desta sexta-feira levaram a confrontos com a força pública nas proximidades da capital colombiana, enquanto em Cali, três pessoas morreram.

“Infelizmente, três pessoas morreram (…) Esta situação ocorreu entre quem bloqueia e quem quer passar” por um dos pontos fechados pelos manifestantes, disse o prefeito de Cali, Jorge Iván Ospina.

Vídeos mostram um homem caído em uma poça de sangue e outro próximo com uma arma, assediado por manifestantes. Em seguida, as imagens mostram o suposto agressor também no chão, após aparentemente ter sido linchado.

“Os distúrbios trouxeram essa situação insana de morte e dor. Não podemos permitir que essas circunstâncias continuem ocorrendo em Cali. Não devemos cair na tentação da violência e da morte”, enfatizou Ospina em mensagem nas redes sociais.

O governo abriu diálogos com a frente mais visível das manifestações, mas sem chegar a um acordo. Líderes sindicais e estudantis exigem garantias para o protesto, diante dos múltiplos excessos da força pública.

Ao mesmo tempo as autoridades pedem o levantamento dos bloqueios de estradas que causam desabastecimento e perdas econômicas milionárias em pontos como Buenaventura, principal porto no Pacífico.

“Este mês ficou visível a força do Estado, como ele atua” contra os cidadãos, disse Gustavo Peña, um estudante universitário de 22 anos.

“E estou orgulhoso porque o meu país finalmente está tendo dignidade, e se levanta para não pedir nada doado, mas sim oportunidades, que não haja uma distribuição tão desigual de recursos”, acrescentou.

Em um mês de protestos, 49 pessoas morreram, a maioria civis, segundo a Ouvidoria. A acusação estabeleceu que 17 dos casos estão diretamente relacionados com as manifestações, mas a ONG Human Rights Watch afirma ter “queixas credíveis” sobre 63 mortes, 28 relacionadas com a crise.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken “expressou preocupação e condolências pela perda de vidas durante os recentes protestos na Colômbia e reiterou o direito inquestionável dos cidadãos de protestar pacificamente”, disse nesta sexta-feira o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, em um comunicado.

Blinken “saudou o diálogo nacional convocado pelo presidente Duque como uma oportunidade para o povo colombiano trabalhar em conjunto para construir um futuro de paz e prosperidade”, disse Price.

– Protesto sustentado –

A crise começou quando o governo quis aumentar impostos para a classe média, atingida pela pandemia, para preencher a lacuna fiscal deixada pela emergência econômica.

Duque desistiu da proposta, mas a repressão policial inflamou ainda mais o ânimo. Hoje as ruas estão cheias de jovens sem trabalho e sem educação que pedem um Estado mais solidário diante da devastação da covid-19.

As forças policiais, que na Colômbia são controladas pelo Ministério da Defesa, estão sob o ferro escaldante das críticas pelos excessos que as vinculam às mortes de manifestantes.

A comunidade internacional condenou a reação dos órgãos de segurança, enquanto as ruas clamam por uma reforma que “desmilitarize” uma força policial que há décadas luta contra guerrilheiros e narcotraficantes.

O governo garante que as manifestações foram infiltradas por vândalos e grupos armados que sobrevivem à assinatura do acordo de paz com as extintas FARC, guerrilha que se tornou partido político após meio século de fracassada luta pelo poder.

Desde que assumiu o poder em agosto de 2018, Duque enfrentou protestos sem precedentes em um país onde as manifestações eram desqualificadas por suposta manipulação da guerrilha.

A pandemia extinguiu as mobilizações por um tempo, mas elas recomeçaram com força, apesar do fato de que a Colômbia enfrenta uma onda agressiva da covid-19 que tem hospitais à beira do colapso.

As manifestações pacíficas durante o dia, mas aumentando à noite para confrontos violentos em vários pontos, levaram à demissão do Ministro das Finanças, do chanceler e do Alto Comissário para a Paz.

Enquanto isso, a desaprovação de Duque atinge níveis históricos (76%), um ano após as eleições.

A pandemia afetou a economia do país de 50 milhões de pessoas. Em um ano, a porcentagem da população pobre passou de 35,7% para 42,5%, e quase um terço dos colombianos (27,7%) entre 14 e 28 anos não estudam nem trabalham, segundo o órgão estatal de estatísticas.