Há um desejo generalizado do povo brasileiro, já expresso inclusive nas redes digitais do excelentíssimo senhor presidente, para que o governo — ele pessoalmente e seus assessores mais próximos — deixe de dizer tantas bobagens e parta logo para fazer o que interessa. Qual seja: atacar de frente os problemas estruturais, o desemprego e a paralisia da economia, fundamentalmente, que castigam de maneira lancinante a população em geral. Mas a verdade nua e crua é que essa turma tem uma predileção por se enredar em baboseiras temáticas sem trégua e não cansa de estarrecer com seus destemperos verborrágicos. A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, por exemplo — que ameaçou sair do cargo e voltou atrás recentemente —, ofereceu mais uma pérola de analise social ao chamar uma personagem infantil da Disney, do premiado filme Frozen, de lésbica. Não foi a primeira dela, nem a única dentre o cipoal de cretinices de seus colegas de ministérios, mais atentos à autopromoção por meio de atos e palavras fora do que se convencionou chamar de politicamente correto. Também pudera! O presidente Bolsonaro, que comanda esse verdadeiro exército de Dom Quixote contra moinhos imaginários, é o primeiro a dedicar tempo para análises sobre a higiene do órgão sexual masculino e situações bizarras de golden shower. Em seus posts e mensagens, de cada duzentas citações apenas quatro se referem a questões candentes como a Reforma da Previdência. Ele não quer mesmo tratar do que importa. O ministro da Educação, em sua bagagem intelectual incomparável, cita a Kafta da culinária árabe para se referir ao escritor alemão Franz Kafka. E todos festejam alopradamente o desbocado guru Olavo de Carvalho que se refere a um general do primeiro escalão do Executivo como “bosta engomada”. Seriam pitorescas, insignificantes e até desprezíveis tantas ignomínias se o mandatário em pessoa não modelasse a administração federal por essa, digamos, pauta de costumes. O tragicamente factual é que ele, ao menos nesses quatro meses de início, tem dado, sim, enorme valor e consequência às birutices virtuais que se transformam em ações tortas. O caso do decreto que ampliou consideravelmente as permissões para porte de armas é típico. Primeiro, ele falou em excluir de culpa produtores rurais que, deliberadamente, atirem e acertem invasores de terra. Note-se que não foi sequer tipificado de qual tipo de invasor está se falando. Uma criança que entre na propriedade para roubar uma manga do pé pode virar alvo e o ladrão de galinhas também. No limite da barbárie, Bolsonaro foi adiante com o decreto sem consultar o ministro da Justiça, Sergio Moro, que claramente era contra. Não aguardou pareceres jurídicos a respeito e mandou ver no seu desejo incontido, a despeito de tudo e de todos. Feriu constitucionalidades e o brio do próprio Congresso que, atropelado pelo “requerimento de urgência” da medida, reagiu falando em barrar a iniciativa. Resultado: o governo terá mesmo de voltar atrás. Tanto o Senado quanto a Câmara dos Deputados já levantaram inúmeras incongruências do decreto. Na sexta-feira 10, o capitão reformado capitulou: “Se for inconstitucional, o decreto de armas tem que deixar de existir”. Parecem inevitáveis injunções nesse sentido. Perdeu-se tempo e discussão com algo que não seguiu os trâmites habituais. Há regimento, método e arbitragem de poderes — incluindo o Supremo Tribunal Federal na panela — que devem antecipadamente ser consultados pelo mandatário. Ele não o faz. Corriqueiramente os despreza. Não monta uma tropa de choque para articulação. Não tem um grupamento mínimo e eficaz de parlamentares para chamar de seu. Os ministros, como Paulo Guedes, da Economia, e o próprio Moro vão a negociações nas plenárias completamente desprotegidos e viram foco de ataques da oposição sem clemência. Mesmo trazendo consigo projetos que realmente importam e transformam o status de paralisia e retrocesso da Nação. Como mover o desenvolvimento por essa trilha? Está evidente que não se vai a lugar nenhum assim. É necessário, vital, uma mudança de postura de Bolsonaro e dos comandados. Que deixem de lado as gracinhas, provocações e acintes. Transformem o anseio geral expresso nas urnas em realizações efetivas.


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