Governo tem pelo menos R$ 200 milhões em contratos sem licitação com a Ambipar

Dos sete contratos firmados em 2024, três foram sem o processo licitatório; todos os acordos são para atuação aérea em áreas indígenas

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Terra Indígena Kayapó, no Pará, em 14/09/2006 Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O governo federal deve pagar cerca de R$ 196 milhões em três contratos sem licitação firmados com a Ambipar, multinacional de soluções ambientais. Os dados foram confirmados pelo site IstoÉ junto ao Portal da Transparência do governo.

Os acordos foram firmados em 2024 com a Ambipar Flyone Serviço Aéreo Especializado, um braço da Ambipar. Atualmente, o governo tem sete contratos ativos com a empresa, todos ligados ao transporte aéreo para atendimento em terras indígenas.

Um dos maiores contratos é com o Ministério dos Povos Indígenas, comandado por Sônia Guajajara, assinado em março do ano passado. O contrato prevê a contratação de aviões para apoio logístico na distribuição de alimentos em terras Yanomami.

De acordo com o Portal da Transparência, a pasta justificou a contratação emergencial e a dispensa de licitação. O acordo tem validade até março e deve custar R$ 185,9 milhões aos cofres públicos.

Governo tem pelo menos R$ 200 milhões em contratos sem licitação com a Ambipar

Nas últimas semanas, a pasta assinou um protocolo de intenções de parceria com a Ambipar, que prevê a realização de serviços em terras indígenas. Tanto a empresa quanto o Ministério dos Povos Indígenas não responderam aos questionamentos da reportagem sobre o tema.

Em nota, o ministério disse que o protocolo de intenções não gera obrigatoriedade de contratação ou pagamentos e ressaltou que qualquer ação tomada em terras indígenas dependerá da anuência expressa dos povos indígenas.

“O protocolo de intenções em questão é um documento que estabelece um diálogo preliminar e não gera direitos ou obrigações entre as partes envolvidas. Esse tipo de instrumento — que sequer possui força vinculante ou capacidade de transferir recursos — não concede qualquer tipo de controle ou poder de ação para a empresa sobre as terras indígenas ou o território nacional. Um protocolo de intenções, por definição, não contempla um plano de trabalho concreto que delimite ou determine ações específicas ou os locais de implementação. Da mesma forma, o protocolo não dispõe de orçamento ou cronograma”, disse a pasta.

“Qualquer atuação em território indígena depende exclusivamente da anuência expressa dos povos indígenas e, caso nenhuma comunidade aceite a implementação de ações derivadas do protocolo, ele perderia automaticamente seu objeto. A atuação da empresa, caso venha a acontecer, será antecedida pelos ritos administrativos e jurídicos da Administração Pública. Essa atuação só poderá ser realizada com acompanhamento e atuação conjunta do Ministério dos Povos Indígenas”, concluiu.

Outro contrato, assinado em dezembro do ano passado, prevê a locação de helicópteros para atuação no Alto Solimões. O acordo foi firmado junto ao Ministério da Saúde, no valor de R$ 5,8 milhões.

Entretanto, não há informações sobre o processo de licitação nem no contrato firmado nem na lista de participação da empresa em certames. A informação que consta no documento é a contratação de 450 unidades — subentende-se voos — no valor de R$ 13 mil cada, com vigência até dezembro.

A pasta de Nísia Trindade também assinou outro contrato com a Ambipar em novembro, com as mesmas condições do anterior, para atender a região do Alto Rio Juruá. Sem informações sobre a licitação, o contrato foi firmado no valor de R$ 5,5 milhões.

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Outros contratos

Ao todo, a Ambipar Flyone Serviço Aéreo Especializado tem R$ 563,5 milhões em contratos ativos com o governo federal. Além dos três citados acima, a empresa tem três contratos com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e mais um com o Ministério da Saúde.

O último contrato com a Saúde, no valor de R$ 6,7 milhões, prevê a contratação de aeronaves para atuação na área do Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Purus. O acordo foi assinado em junho do ano passado, com vigência até a metade deste ano.

O Portal da Transparência, no entanto, não detalha a realização da licitação no ano passado nem publica o contrato firmado com a Ambipar. Em 2023, a pasta chegou a fazer uma licitação seguindo as mesmas regras do contrato, com a participação da empresa ambiental, mas com a vitória da Maricá Táxi Aéreo. Esse acordo foi encerrado em maio de 2024.

A Ambipar ainda recebe cerca de R$ 350 milhões em contratos com a Funai, assinados por intermédio do Ministério dos Povos Indígenas. O maior deles, de R$ 269,7 milhões, foi assinado em 6 de dezembro, com vigência até 2026.

Governo tem pelo menos R$ 200 milhões em contratos sem licitação com a Ambipar

Mesmo que apareça o Ministério da Justiça e Segurança Pública como intermediário, a Funai é braço do Ministério dos Povos Indígenas; O MJSP aponta erro no Portal da Transparência

O acordo prevê a contratação de aviões e helicópteros para apoio logístico no transporte de insumos, cestas básicas e agentes da Funai em áreas indígenas. A empresa ambiental levou o contrato após a desclassificação da Helimarte Táxi Aéreo por não cumprir os requisitos da licitação.

Outros dois contratos foram firmados em 2024: um no valor de R$ 1,2 milhão e outro com custo de R$ 88 milhões. O primeiro é para atuação institucional na região do Alto Solimões, enquanto o segundo segue o mesmo critério, mas para atuação em Roraima.

O Portal da Transparência não detalha o processo licitatório dos três contratos firmados com a Funai. Em nota, porém, a entidade confirmou a realização de Pregões Eletrônicos de Registro de Preços para os três contratos. Em dois deles, foi realizada apenas uma licitação, que previa a contratação de serviços aéreos para duas áreas no Amazonas e Roraima.

Governo tem pelo menos R$ 200 milhões em contratos sem licitação com a Ambipar

Mesmo que apareça o Ministério da Justiça e Segurança Pública como intermediário, a Funai é braço do Ministério dos Povos Indígenas; O MJSP aponta erro no Portal da Transparência

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Mesmo que apareça o Ministério da Justiça e Segurança Pública como intermediário, a Funai é braço do Ministério dos Povos Indígenas; O MJSP aponta erro no Portal da Transparência

“Observa-se que os serviços contratados são por demanda, usados conforme provocados pela Administração, com quantitativos estimados com base na necessidade de distribuição de cestas de alimentos para garantir a segurança alimentar dos povos indígenas da TI Yanomami, que possui dimensão superior à de muitos países, como Portugal, objetivando mitigar a situação calamitosa instalada na região e cumprir decisão judicial no âmbito da ADPF nº 709 do STF, sendo acompanhada de ações para o etnodesenvolvimento, a fim de garantir a autonomia dos povos indígenas”, afirma a nota.

“Já o Contrato nº 208/2024, firmado pela CR Alto Solimões/AM, unidade desconcentrada da Funai, no valor de R$ 1.261.539,00, para 12 meses, foi decorrente do Pregão Eletrônico pelo Sistema de Registro de Preços nº 90001/2024, para serviços comuns de locação de aeronave para a execução das ações do planejamento estratégico do órgão em cumprimento à missão institucional, sendo também um contrato por demanda. Na mesma linha, o Contrato nº 108/2024, firmado pela Coordenação Regional de Roraima, unidade desconcentrada da Funai, no valor de R$ 88.998.000,00, para 12 meses, também foi oriundo do Pregão Eletrônico pelo Sistema de Registro de Preços nº 90001/2024, sendo igualmente acionado de acordo com a necessidade”, completou.

O site IstoÉ tentou contato com a Ambipar por quase uma semana, mas não obteve retorno. Sobre o contrato com dispensa de licitação, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que foi feito um Aviso de Contratação e que seguiu o estabelecido pelo Termo de Referência.

“O contrato firmado entre o Ministério dos Povos Indígenas e a empresa Ambipar foi feito após pregão público realizado em 9 de fevereiro (Aviso de Contração nº 9002/2024) e assinado em 18 de março de 2024 com o objetivo de contratar serviços comuns de empresa especializada na locação de aeronaves de asa fixa e de asa rotativa para subsidiar as atividades de apoio logístico às ações de distribuição de cestas de alimentos para atender a situação emergencial na Terra Indígena Yanomami, nas condições e exigências estabelecidas no Termo de Referência”, afirma a nota.

A reportagem ainda tentou contato com o Ministério da Saúde, mas não obteve retorno até o momento.