“Tirar recursos do Censo do IBGE é a mesma coisa do que pilotar um avião sem nenhum radar” Vinicius Poit, deputado (Crédito:CAMARA DOS DEPUTADOS)

A falta de planejamento para o País, mesmo a curtíssimo prazo, fica evidente no desprezo que o presidente Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes demonstram pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Especialistas e políticos alertam para o perigo de se deixar o País sem os dados necessários para projetar o que será feito com os recursos públicos no futuro. Pelo segundo ano seguido, o Censo Demográfico está cancelado é não há um horizonte que aponte para a realização da pesquisa reponsável por fazer a radiografia do Brasil. Da previsão inicial de R$ 2 bilhões, o orçamento aprovado para este ano foi de apenas R$ 71 milhões para o instituto. O impacto imediato é a inviabilidade de qualquer pesquisa patrocinada pelo IBGE. O deputado Vinicius Poit (Novo-SP) disse à ISTOÉ condenar que o governo Bolsonaro inviabilize o Censo. “Tirar recursos do IBGE é a mesma coisa do que pilotar um avião sem nenhum radar. Mas para um governo que não sabe onde quer chegar, qualquer lugar serve”, afirmou Poit.

Não é uma novidade, mas é uma reafirmação do sucateamento do IBGE. O professor de economia da Unicamp, Marcelo Weishaupt Proni, diz que “quando o governo decide não fazer o censo, significa que isso não é prioritário na agenda pública e opta por não fazer planejamento”. Do total de R$ 396 bilhões transferidos pela União aos municípios em 2019, R$ 250 bilhões consideraram o tamanho da população. Proni ainda ressalta a importância de outras pesquisas feitas pelo órgão, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF). As amostras desses trabalhos calibram as políticas públicas em nível municipal, estadual e federal. “A forma mais eficiente para planejar o investimento público, e também privado, é saber onde as pessoas vivem e quais são as prioridades de cada região”, explicou Proni. As verbas distribuídas no Congresso devem, a partir de uma visão racional, obedecer a critérios técnicos. Saber onde há mais necessidade de transporte, onde a educação precisa de mais investimento, onde a saúde pública não cumpre seu objetivo, é primordial para realizar ações de políticas sociais. Mesmo para a vacinação de crianças, e nesse momento da Covid-19, os dados do Censo constroem o diagnóstico para o Estado agir.

O corte dos recursos para o instituto é brutal. A ex-presidente da entidade, Susana Cordeiro Guerra, pediu demissão, no último dia 23, e só na quarta-feira, 14, foi anunciado o novo comandante do IBGE, Eduardo Rios Neto. Indicado pelo ministro Paulo Guedes, Neto terá o desafio de subsidiar o País com informações confiáveis, mas sem recursos suficientes. Guedes é crítico contumaz do Censo Demográfico desde o início do governo. Em abril de 2019, ele afirmou que o censo fazia perguntas demais (360). Na verdade, o ministro desconhece o questionário, que aplica cerca de 150 questões. O ministro também disse que a pesquisa custa muito cara e chegou a afirmar à ex-presidente que teria que “vender o prédio” para custear o estudo. O negacionismo de Guedes segue a cartilha do chefe.

Bolsonaro disse recentemente que o problema do desemprego deve-se à metodologia adotada pelo IBGE. Susana explicou, ao deixar a entidade, que “o Censo é uma plataforma de inteligência que aprimora a tomada de decisões de políticas públicas”. Decisões inteligentes e planejadas são opostas às propostas do presidente, que nega até mesmo a realidade da crise social do País.

DESAFIO Presidente do IBGE, Eduardo Rios Neto, assume instituto desacreditado pelo governo (Crédito:Valor Econômico)

A metodologia do IBGE está adequada às exigências internacionais. Há um esforço de cooperação desde os anos 1960 organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para uma uniformização dos dados. A cientista social e doutora em relações internacionais, Carolina Pavese, diz que é “fundamental a comparação dos dados para identificar as tendências globais, inclusive para o mercado privado”. A cientista social não estranha a tentativa de adiar as pesquisas. “É a possibilidade de reforçar aos apoiadores do presidente a ideia de que o governo tem bons resultados, sem precisar apresentar os dados reais que o desmentem”, disse. Um eventual Censo antes das eleições deixaria clara a ineficácia do governo, algo que Bolsonaro vai fazer questão de esconder a qualquer custo.