O governo Lula avalia que conseguiu “resgatar a “autoria” do projeto de lei Antifacção com o relatório apresentado pelo Alessandro Vieira (MDB-SE), vê uma derrota para o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP) e agora olha com preocupação para a discussão da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, em discussão na Câmara.
Relator do projeto no Senado, Vieira apresentou nesta quarta-feira, 3, o parecer com alterações na redação proposta por Derrite, que havia descaracterizado o texto original elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). A votação foi adiada para semana que vem.
O senador criou o tipo penal de facção criminosa como espécie de organização criminosa, com pena base de 15 a 30 anos de prisão, e tocou em um dos pontos sensíveis do projeto aprovado na Câmara sob protestos do governo Lula: os meios de financiamento para o combate à criminalidade no Brasil.
Ele inseriu um dispositivo no texto que diz que o Poder Executivo pode estruturar os fundos já existentes para financiar órgãos como a Polícia Federal. A ideia é que impostos sobre casas de apostas ajudem a financiar uma nova rubrica voltada para o combate ao crime.
Membros da cúpula do MJSP dizem, sob reserva, que a versão entregue por Vieira representa uma derrota para Derrite, uma vez que alguns dos principais pontos presentes no primeiro de seus seis relatórios caíram ao longo da tramitação.
Governistas citam a equiparação de organizações criminosas ao crime de terrorismo, um arcabouço legal próprio para o combate ao crime e a redivisão de recursos apreendidos pela PF como ideias de Derrite que foram derrotadas.
O secretário-executivo do MJSP e braço-direito do ministro Ricardo Lewandowski, Manoel Carlos de Almeida Neto, diz ver a versão do Senado como um aprimoramento “altamento positivo e técnico”. Ele se diz satisfeito com o que avalia ser a manutenção do espírito concebido dentro do ministério.
‘É um filho que nasceu aqui no governo e agora pertence ao Congresso Nacional e à sociedade”, diz ele.
Ele elogia a retomada da criação do novo tipo penal de facção criminosa no “marco normativo adequado”, em referência à Lei de Organizações Criminosas, e a equiparação de facções e milícias, que no texto de Derrite tinham tratamento menos duro.
Integrantes do governo Lula vinham se queixando do que consideravam ser um risco de “caos jurídico’ com a eventual sobreposição de leis já existentes com o arcabouço legal previsto no texto da Câmara, o que poderia beneficiar criminosos. A versão de Vieira, por sua vez, segue a linha do MJSP e altera o Código Penal, o Código Processual Penal, a Lei de Execuções Penais, a Lei de Crimes Hediondos e a Lei de Lavagem de Dinheiro.
“Além disso, mantém incólume as competências e fundos da Polícia Federal, bem como incorpora outras inovações originalmente propostas pelo MJSP, de asfixia financeira ao crime com célere perdimento de bens, intervenções em empresas vinculadas às facções, bancos de dados, monitoramento de presos, afastamento de servidores, aumento de penas, entre outras inovações legislativas apresentadas pelo MJSP”, afirma Almeida Neto.
Vieira vem colocando seu relatório como um meio-termo entre Derrite e Lewandowski. O endurecimento das penas e o maior obstáculo para a progressão de regime devem ser mantidos, por exemplo, foram mantidos. O próprio senador diz não ver no aumento das punições uma grande contribuição para o combate ao crime, mas que “existe um sentimento na sociedade e no Congresso Nacional” de que isso é necessário.
“Vamos fazer um ajuste de proporcionalidade, mas mantendo patamares bastante elevados”, afirma. A manutenção do maior rigor penal agrada a bolsonaristas, que vem batendo nessa tecla desde o começo para enaltecer a versão de Derrite.
Articuladores políticos do governo Lula agora voltam suas preocupações à PEC da Segurança Pública, relatada pelo deputado federal Mendonça Filho (União-PE). O assunto está sendo acompanhado pelo secretário de Assuntos Legislativos do MJ, que diz ter receio que pontos alheios ao objetivo da proposta sejam incluídos, como a redução da maioridade penal.
Em entrevista ao Estadão no mês passado, o relator havia dito que gostaria de incluir na matéria alguns pontos para endurecer a legislação penal, o que não estava previsto no plano original do MJSP. O foco de Lewandowski era, principalmente, o de ampliar as atribuições das polícias federais no combate a facções e de constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e os fundos nacionais de financiamento da segurança.
“E estou estudando também (incluir) a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância por órgão colegiado (para crimes graves). Tem outro problema social muito forte, que é a reincidência delitiva. O sujeito é pego vinte vezes e só é colocado em prisão preventiva depois de cometer um crime bárbaro. (Pretendo incluir) o princípio de que a reiteração delitiva impede que você, na audiência de custódia, possa liberar (o suspeito)”, declarou na ocasião.
Mendonça Filho adiou para a próxima semana uma reunião com líderes para debater a proposta, a pedido do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para amadurecer o texto. A PEC se encaminha para ser palco da nova batalha entre esquerda e direita no Congresso.
Nesta terça-feira, 02, os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Goiás, Ronaldo Caiado (União), criticaram a versão enviada pelo governo, como vêm fazendo desde o começo. As queixas recaem sobre uma suposta invasão de atribuições da PF sobre as polícias estaduais, ainda que o Palácio do Planalto tenha alterado o texto para deixar explícita a manutenção da autonomia dos Estados.