Passado o primeiro mês da volta tumultuada do demiurgo de Garanhuns ao poder, muitos ainda alimentam dúvidas e receios sobre como será conduzido o governo daqui para frente. Os temores residem especialmente sobre o pendor gastador que parece acometer quase toda a equipe. Do Planalto, Lula emitiu alguns sinais preocupantes. Falou em aumentar a meta da inflação, reclamou da independência do Banco Central e parece convencido de que despesa pública – qualquer uma – deva ser encarada como investimento. Ledo engano, muito embora seja ele movido pela ideia firme (e essa de boa índole) de não medir esforços, nem dinheiro, para resgatar da extrema pobreza as camadas mais carentes da população. O presidente tem um legado a construir e tenta apagar as máculas de outrora na trajetória. Constituiu um ministério recorde, com 37 postos, cuja intenção é cobrir todas as áreas de demandas sociais. Com a eleição no Congresso, inicia de fato a sua grande empreitada. Dará partida ao aparelhamento dos postos-chaves, em estatais, autarquias, agências reguladoras com uma plêiade de participantes do segundo e terceiro escalões simpatizantes à causa. Quer mapear a correlação de forças entre o Senado e a Câmara para compor a linha de frente do Executivo. Nesse tocante, Lula é bem experimentado. Habilidoso, sabe que será decisivo o perfeito entendimento com a força legislativa para poder levar adiante as propostas e ideias que tem em mente. Sabe também que está em desvantagem concreta: o Congresso é majoritariamente conservador e, em significativa parte, opositor.

A estratégia para driblar tamanho impeditivo administrativo passa por coalizões com a cúpula dos partidos, sem limites ideológicos encarados como barreiras. Mesmo com os presidentes das duas Casas parlamentares procura criar condições de governabilidade e relações, no mínimo, republicanas. O chefão dos deputados, Arthur Lira, é de fato e vem sendo tratado como uma espécie de primeiro-ministro. Com a curriola do Centrão nas mãos, Lira não esconde de ninguém o apetite que possui por cargos, verbas e influência. Será, talvez, o grande muro de contenção a barrar a avalanche de propostas de Lula. E elas são, certamente, de monta. A começar pelas reformas. É o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quem anuncia: “esse será um governo de alta intensidade em reformas”. O que ele busca dizer com isso? Turbinado e orientado por Lula, Haddad está convencido que aprovará nesse ano, principalmente, a tão discutida e esperada Reforma Tributária e tentará outras a seguir (trabalhista e administrativa no roteiro). Está correndo nesse sentido. Promete, já em abril, montar um arcabouço fiscal novo e planeja para o segundo semestre a aprovação de mudanças completas na área que passam, inclusive, pelo Imposto de Renda. É música para os ouvidos do setor produtivo, muito embora exista o receio de que venha embutido nas alterações um aumento da carga – o que seria desastroso para a sonhada retomada econômica. Segundo o ministro, muitos procuram respostas rápidas e simples como se, na avaliação dele, “o governo atual devesse dar conta dos problemas herdados do passado”. Existe, não há dúvida, uma enorme expectativa mesmo. Mas a agenda do presidente Lula passa por um programa maior que o do mero atendimento aos apelos empresariais. No plano externo (seu foco desde o início), a intenção é mostrar que o Brasil tem uma visão mais vanguardista, seja tanto no campo ambiental quanto no social, e de participação ativa no concerto das nações. O mandatário iniciou agora um circuito de visitas internacionais que será intensa ao longo do ano, com interlocutores dos principais países. Tem ainda recebido dentro de casa algumas autoridades relevantes como o chanceler alemão, Olaf Scholz, que esteve por aqui nessa semana e deixou de quebra nada menos que R$ 1 bilhão em recursos para projetos sustentáveis. Nessa pauta, especificamente, o Brasil tem muito a ganhar mundo afora e Lula sabe disso. Ele está em busca de ações ruidosas no plano global. Equivoca-se quando tenta reeditar a natureza paternalista de esteio das nações vizinhas em dificuldades, anunciando empréstimos do BNDES a quem já demonstrou, com calotes milionários, a intenção oportunista de levar sem contrapartidas. Porém, no todo, vai gerando ótima impressão. Para além da política externa de aproximação, dentro do Brasil partiu para rearrumar o que foram deturpações gigantescas da gestão passada. No tocante a armas, por exemplo, cujo porte e posse dispararam em um ritmo sem precedentes, Lula reinicia agora um amplo movimento de desarmamento. Na virada do mês anunciou a exigência de registro na PF de todas as armas dentro de um prazo de até 60 dias. É o começo de um plano para sufocar os abusos. Tenta também conter a barbárie praticada contra povos indígenas. Foi para cima dos garimpeiros. Passou a controlar o espaço aéreo na região das aldeias e quer proibir de vez o garimpo. No limite, Lula será intransigente com todos aqueles – do mercado financeiro aos madeireiros ilegais – que atrapalharem seus planos de deixar uma marca de gestão progressista e inesquecível.