Primeiro político a se lançar pré-candidato à Presidência da República para 2026, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), aposta nos pontos que mais desgastam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deve disputar a reeleição, para se viabilizar na disputa.
Os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, e Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, também postulam espaço na oposição ao petista, mas aguardam os movimentos de Jair Bolsonaro (PL), inelegível até 2030, antes de embarcar na corrida.
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Com mais eleições na conta e um histórico de desavenças com o ex-presidente, o goiano deu largada a um pleito distante de definições. A candidatura pode ser a 11ª do político, que concorreu à Presidência em 1989 — teve 0,72% dos votos –, foi cinco vezes deputado federal, senador e está no segundo mandato no Executivo estadual.
Nesta entrevista à IstoÉ, Caiado ensaiou uma reconciliação com o bolsonarismo ao defender a anistia aos presos pelos atos criminosos do 8 de janeiro — o que também fez no domingo, 6, em manifestação na avenida Paulista –, mas também defendeu uma agenda própria e dura na segurança pública e associou o mandato de Lula ao populismo e à incapacidade de governar.
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Leia a íntegra
ISTOÉ A eleição de Bolsonaro, em 2018, foi movida pela ideia do combate à corrupção. Em 2022, Lula se elegeu com a promessa de devolver poder de compra à população. Qual será o discurso central de seu projeto presidencial?
CAIADO O primeiro é construir governabilidade, que só é possível buscando a paz e dando bom exemplo. É preciso buscar todos os Poderes, sentar-se à mesa e assumir toda a responsabilidade e o comando de um regime político que é presidencialista. Como tal, cabe ao presidente conclamar pontos de concórdia e ter condições de governabilidade.
A Constituição foi muito sábia no momento em que reconheceu a independência dos Poderes, mas também exigiu a harmonia entre os Poderes. A convivência pacífica não exige concordância, mas deve haver uma ação comum, com o único objetivo de governar o país sem populismo, irresponsabilidade, atitudes descabidas ou lado ideológico, e com aquilo que o cargo [de presidente da República] exige de quem o ocupa.
ISTOÉ O senhor afirmou que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Segurança Pública tira dos governos estaduais e concentra na gestão federal o poder sobre as polícias, o que seria inconstitucional. Sua avaliação segue a mesma? Quais são os principais problemas desse texto?
CAIADO O governo Lula nunca deu sinais claros, durante dois anos e quatro meses, de ter qualquer interesse em assumir um papel decisivo no enfrentamento ao crime no país. Até agora, o que se vê é uma total complacência com a criminalidade e o avanço cada vez maior das facções, não apenas do ponto de vista territorial, mas também econômico.
Hoje, para eles [crime organizado], a droga é apenas um “souvenir”. Eles já dominam o transporte urbano, avançaram sobre combustíveis, utilizam fintechs para lavar dinheiro, assumiram negócios imobiliários, atingiram toda a região amazônica. Há uma pluralidade de ações na economia do país, que constrangem o empresário sério. Se o Estado não se colocar na defesa do cidadão de bem, de quem paga impostos e emprega, quem é que vai se insurgir contra uma estrutura de crime tão poderosa?
Essa complacência [do governo federal] é inexplicável e, para não ficar muito constrangido, ele tenta criar um factoide, porque não há necessidade de alterar a Constituição para integrar as forças de segurança. O que nós precisamos fazer é [promover] a integração das polícias de forma facilitada, com leis complementares.
“Para não ficar muito constrangido, o governo quer criar um factoide com a PEC da Segurança Pública”.
O texto da PEC prevê um conjunto de normas gerais de Segurança Pública, Defesa Social e Sistema Penitenciário. Esse dispositivo é um golpe sobre todos os estados, porque retira o direito constitucional que é dado a nós, governadores, para administrar as penitenciárias e as forças policiais.
Em Goiás, o preso não tem direito à visita íntima, o que é contrário ao que deseja o governo federal. Aqui, os policiais não usam câmeras nas fardas, e há uma Corregedoria [de Polícia] forte para combater irregularidades, também ao contrário do que o governo federal pretende fazer. Então, há um desejo de sobrepor as normas federais sobre as dos estados. Ao mesmo tempo, não há nada [na PEC] sobre combate ao crime nas fronteiras ou inteligência apoiada para que as autoridades tenham maior capacidade de chegar ao crime antes que ele aconteça.
O governo [Lula] só propôs apresentar uma PEC quando viu que, desde o início do mandato, a incidência de queixas da população e a demanda para que os governos tomem medidas para combater a violência, garantir ao cidadão o direito de ir e vir, só aumenta. Em Goiás, o cidadão tem esse direito assegurado. No resto do país, há uma sociedade sequestrada pelas diferentes facções existentes.

Ronaldo Caiado, então senador, na votação do impeachment de Dilma Rousseff: oposição ao PT faz parte da carreira política
ISTOÉ Além dos dados de criminalidade, o senhor tem a defesa de medidas que levaram Goiás ao melhor desempenho entre os estados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em 2023. Ao mesmo tempo, o debate político nacional é muito ideologizado, tomado pelas questões de direita e esquerda, bolsonarismo e lulismo. Como levar essas questões técnicas a um debate tão polarizado?
CAIADO Quando você leva seu filho para ser operado, você não procura o médico que é de sua convivência, mas aquele que tem maior capacidade para levar seu filho à rápida recuperação. Neste momento, a população não vota em A ou B porque foi orientada a escolhê-los, à exceção daqueles que estão em posições extremadas.
A eleição é difícil, mas é muito mais difícil governar o país na situação em que ele se encontra. Então, não adianta colocar lá [na Presidência] uma pessoa que não tenha independência moral e intelectual para governar o país.
“A eleição é difícil, mas governar o país na situação que ele se encontra é muito mais”.
A dificuldade que precisa ser discutida no Brasil é: o cidadão vai entrar lá pensando na sua reeleição ou em enfrentar as dificuldades que precisam ser enfrentadas? A história de vida e suas capacidades como governador, prefeito ou em outros cargos devem apontar isso.
Quem está sentado no cargo é quem faz o cargo, e se você tem autonomia para fazer um bom trabalho, as coisas passam a acontecer. Se você administra com base no populismo, passa o mandato viajando para exterior, as coisas não andam.
ISTOÉ Além dos erros do chefe do Executivo federal, há excessos e equívocos também por parte dos outros Poderes, no caso, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional?
CAIADO Há excessos de todas as partes. Hoje, não se sabe se o Brasil tem um regime presidencialista, parlamentarista, semipresidencialista, monarquista ou uma anarquia. Sem a implantação efetiva de um regime, todos os Poderes extrapolam suas prerrogativas.
Um sistema de governo não admite [esses excessos], ele impõe a harmonia entre os Poderes. Agora, a falha no sistema presidencialista é do presidente [Lula]. Na ausência do presidente, é que se cria essa situação de desencontros e acirramento entre os Poderes.
ISTOÉ O senhor participou de uma manifestação na avenida Paulista contra as condenações pelo 8 de janeiro aplicadas pelo STF. Esse tipo de atuação por parte de lideranças da sua dimensão não contribui para acirrar ainda mais a relação entre os Poderes?
CAIADO O Estado não foi constituído para vingar, mas para julgar. O que se contesta é a desproporção das penas [para os participantes da invasão aos Três Poderes], que deveriam ser aplicadas desde a época em que os que clamam por elas hoje destruíram imóveis públicos, como a Câmara dos Deputados, o Ministério da Fazenda, o Itamaraty, o Ministério da Agricultura, o Incra, áreas de pesquisa de propriedade privada, enquanto há uma conivência do governo com o crime onde se implanta o ‘Abril Vermelho’ [movimento do MST], em que as pessoas invadem propriedades, sequestram, e não há punições.
“O Estado não foi constituído para vingar, mas para julgar”.
O que se pede [nos atos pela anistia] é um gesto humanitário. Quando era presidente, Juscelino Kubitschek pediu que, à exceção daqueles que planejaram um golpe contra ele, os demais participantes fossem anistiados. Não adianta acirrar esse tema enquanto o Brasil perde a oportunidade de mostrar alguma coisa para a população.
Em dois anos e quatro meses, o governo [Lula] entregou uma taxa de juros a 14,25%, aumento de preços da cesta básica, crescimento da dívida PIB, alta da inflação, falta de transparência nos atos da gestão e não cumpriu promessas de obras feitas a governadores. Por isso, o governo tenta mudar o foco da discussão para o 8 de janeiro. No entanto, é desproporcional, desarrazoada, uma prisão de 17 anos [para um invasor], e quando você mata uma pessoa, a pena é de nove anos. Não há nenhum fato capaz de explicar essa penalidade.
A democracia é um sistema efervescente, em que você vai para a rua, discute, protesta, mas sempre com respeito. Eu jamais admiti ou sou conivente com a destruição e com aqueles que atropelam as leis, mas a lei tem parâmetros que devem ser cumpridos. Quando você excede na pena, você está praticando uma injustiça.
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ISTOÉ O lançamento da sua pré-candidatura à Presidência teve ausências sentidas de lideranças de seu partido, incluindo o presidente Antônio Rueda. O União Brasil não apoia sua empreitada?
CAIADO Eu tenho uma vivência de 10 eleições. Não há como cobrar que o partido faça uma prévia antes da convenção. Cada partido pode lançar o seu candidato e, inclusive, mais de um candidato — é como um “vestibular”, em que não há restrição quanto a quem pode participar.
Neste momento, minha prioridade é discutir minhas propostas com a população. Os pesquisadores me dizem que eu não sou um candidato conhecido. Diante desse diagnóstico, meu papel é lançar a pré-candidatura e andar pelo Brasil, aos finais de semana [com esse objetivo]. Não faz meu estilo ser o candidato que é colocado pelo partido ou por uma liderança. Eu disputarei a eleição com minha trajetória de 40 anos como político, médico e pai de família.

Governadores no ato pró-anistia para os presos do 8 de janeiro: candidatos ao espólio de Bolsonaro
ISTOÉ A manifestação de que o senhor participou na Paulista teve outros governadores, como Tarcísio, Zema e Ratinho Júnior, que também são potenciais presidenciáveis do campo da oposição para 2026. A formação de uma chapa ou associação a essas lideranças é uma possibilidade?
CAIADO O próprio presidente [Bolsonaro, ex-presidente] falou que cada partido deve lançar seu candidato, até porque o sistema eleitoral no Brasil, em dois turnos, funciona assim. A ideia de que todo mundo tem de se congregar em uma candidatura única no primeiro turno não existe, e todos estão conscientes disso.
“A ideia de uma candidatura única no primeiro turno não existe”.
Tenho dito que nós somos a melhor safra de governadores do país, e todos estamos credenciados para esse debate, sem constrangimento nenhum. Aquele que chegar ao segundo turno deve ter o apoio dos demais.
ISTOÉ Juscelino Filho, que pediu demissão do Ministério das Comunicações após sofrer denúncias de corrupção, é filiado ao União Brasil. O senhor acha que essa saída abre espaço para seu partido desembarcar do governo Lula, onde segue à frente do Ministério do Turismo?
CAIADO Por mim, o partido nunca teria entrado no governo. É uma mistura de água e óleo. Como o Juscelino e o Celso Sabino [ministro do Turismo] são de estados — Maranhão e Pará — com maioria de eleitores do PT, isso deve tê-los motivado a caminhar com o governo.
Não tem a menor possibilidade de se imaginar que nossa bancada de deputados e senadores seja eleita com votos do PT. Mas isso [partidos aderirem a governos sem afinidade ideológica] é muito frequente na democracia brasileira, não afeta apenas o União Brasil.
ISTOÉ Seu partido negocia a formação de uma federação com o PP, que pode gerar a maior bancada da Câmara dos Deputados, mas o senador Ciro Nogueira, presidente do PP, fez ressalvas ao apoio a sua candidatura presidencial na sigla. O senhor apoia essa negociação?
CAIADO Essa federação pode atender aos interesses de alguns, mas traria mais conflitos internos aos partidos. Federar dois partidos da importância e tamanho de União e Brasil não faz sentido, é um dispositivo que funciona para legendas que possam perder o fundo partidário, o tempo de televisão, e precisam se reestabelecer.
Em 90% dos estados, esses dois partidos convivem de forma harmônica, com os mesmos princípios. Torná-los uma força única, unida por quatro anos e sobrepondo as lideranças da base pela direção de Brasília, verticalizando o comando, será um erro enorme. A fusão entre o Democratas e o PSL, que formou o União Brasil [em 2021], deixou cicatrizes que continuam expostas em alguns estados. Não faz sentido ampliar essa briga.
ISTOÉ O Tribunal Regional Eleitoral de Goiás acatou um pedido da sua defesa e reverteu uma sentença que o havia tornado inelegível por abuso de poder político. Como o senhor recebeu essa decisão?
CAIADO Os sete votos favoráveis a zero resgatam minha condição de sempre ter respeitado as regras da Legislação. Recebi a decisão com muito respeito e posso dizer à população que não há nenhum impedimento para que eu dispute todo e qualquer mandato até o fim da minha vida pública.