00Por Elba Kriss

Uma árdua realidade. É assim que a auxiliar administrativa Ellen Cristina, de 38 anos, define a rotina da família. Sem vaga na creche para a filha Maithê Silva, de nove meses, ela conta com a ajuda da mãe Lenise Delminda, 63, para conseguir trabalhar. “Tem horas que choro porque não é fácil”, diz Ellen. Moradora na cidade paulista de Santo André, ela está à espera de uma matrícula em unidade no bairro de Vila Palmares, pois arcar com babá ou escola está fora de cogitação. “Uma creche particular custa R$ 600 mensais por meio período. Para mim, é caríssimo”, diz ela. “E se a minha filha não tivesse com quem deixar a menina?”, questiona Lenise. A avó, inclusive, foi quem ouviu a negativa ao procurar creche para a neta. “Coloquei o nome na lista e a resposta é que ‘não há previsão de vagas’. Não sabem quando vão nos chamar. Então, quer dizer que posso ficar até um ano esperando?”.

A imprevisibilidade do que é dever constitucional do Estado traz consequências. Na terceira idade, Lenise conseguiu uma bolsa para cursar Direito. Mas quem ficará com Maithê para que a avó possa estudar? “Não sei o que fazer. Eu queria começar um estágio para também ter renda. Não temos Bolsa Família, nos foi negado”. Elas recebem a ajuda da ONG Casa de Mãe, que acolhe mulheres em vulnerabilidade social. “Em Santo André, a lista de espera por uma vaga passa tranquilamente dos mil inscritos”, testemunha Cleusa Klein, presidente da ONG.

Em Taboão da Serra, em São Paulo, a organização Casa Mãe de Coração tem proposta similar para famílias da região com o mesmo problema. “Se é mãe solo, como faz para colocar o pão dentro de casa? Precisamos de políticas públicas. A situação não é só o filho estar fora da creche, mas tudo o que ela passa naquele lar por causa disso. É fome e miséria. A mulher tem que ter liberdade para emprego e estudar em busca de dignidade”, diz Lucélia Santos, idealizadora da instituição.

Governo Lula é capaz de sanar a grave crise da falta de creches?
Lenise Delminda, com a neta Maithê Silva, de nove meses (Crédito:Marco Ankosqui)

“A creche diz que ‘não há previsão’ de vaga. Quer dizer que posso ficar um ano esperando?”
Lenise Delminda, com a neta Maithê Silva, de nove meses

Sistema frágil

Em todo o Brasil, 2,5 milhões de crianças estão fora da creche, segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas. Em 2023, outro dado alarmante: 1,2 mil obras de creches e pré-escolas estavam paradas. Os números comprovam que o País só atende 35% da demanda para os brasileiros.

“O Plano Nacional de Educação previa 50% das crianças de zero a três anos matriculadas em creche até 2024. Não conseguimos atingir e sequer estamos perto”, aponta Daniela Mendes, analista de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação.

Espera-se que o novo plano contemple essa questão. Afinal, foi para esses desafios, dentre inúmeros, que aconteceu na última semana a Conferência Nacional de Educação, em Brasília. “É importante que venha à tona o debate sobre equidade”, diz a analista.

O determinante é que gestores façam um diagnóstico de seu território. “Municípios precisam identificar quem são as mães e onde elas estão. Fazer um levantamento da demanda com georreferência e sistema unificado para que se tenha um retrato da realidade.”

É o que se espera da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, pois preocupa ver que o futuro do País não tem vaga no primeiro contato com a Educação Infantil. São inúmeros os estudos que comprovam que uma creche de boa qualidade influencia a trajetória acadêmica dos pequenos.

“Essas crianças ganham no amadurecimento da fala, na riqueza de vocabulário, no desembaraço para conversar entre elas e na interação com o adulto, nos raciocínios lógicos e associativos. A proximidade com a literatura desde muito cedo, um dos trabalhos desenvolvidos pelos profissionais, traz amplitude cultural”, observa Cris Tempesta, doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas.

Especialistas da área compartilham da opinião, com considerações que vão além. Para muitas famílias, especialmente aquelas de baixa renda, a falta de acesso significa que os pais precisam equilibrar trabalho e cuidado infantil, muitas vezes comprometendo ambos.

“Este cenário perpetua ciclos de pobreza e desigualdade, já que pais e mães têm menos oportunidades de trabalhar ou estudar, enquanto suas crianças perdem possibilidades educacionais valiosas”, detalha a neuropedagoga Mara Duarte.

Para a professora Joice Martins, da Uninter, políticas públicas devem garantir o acesso universal e de qualidade, o que inclui “investir na construção e manutenção de unidades, de forma a atender a demanda existente e reduzir as filas de espera, bem como melhorar os espaços físicos tornando-os seguros, com salas de aula espaçosas e equipadas.”

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Construção iniciada em 2018: após atraso nas obras, a inauguração está prevista para o final de 2024 (Crédito:Divulgação)

Obrigação do estado

É isso o que tem sido feito por alguns gestores em busca da ampliação da cobertura, mas ainda em desigualdade. Exemplos: Crato, no Ceará, inaugurou quatro creches no ano passado, ao custo de R$ 8 milhões. No mesmo período, o governo de São Paulo entregou 878 obras em escolas e creches — com investimento de R$ 746 milhões.

Na contramão, o estado tem unidades paradas desde 2018, como a Creche Escola Jardim Espanha. “A obra, que estava paralisada em função do vencimento do prazo do convênio estabelecido anteriormente, foi retomada neste mês. Ao todo, o investimento é de R$ 2,9 milhões, com entrega prevista para o fim deste ano”, informou a Secretaria de Educação, em nota à ISTOÉ.

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Conferência Nacional de Educação: o ensino como direito humano e justiça social (Crédito: Ângelo Miguel)

Também o Ministério da Educação se manifestou junto à ISTOÉ: “Atualmente, existem 3.783 obras escolares que receberam recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação no âmbito do Plano de Ações Articuladas e que manifestaram interesse no Pacto Nacional pela Retomada de Obras da Educação Básica. A conclusão desse conjunto de construções, em sua totalidade, poderá somar ao País mais de 1,3 mil unidades de educação infantil, entre creches e pré-escolas”.

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Cris Tempesta, doutora em Educação pela Unicamp (Crédito:Rogério Albuquerque)

“Crianças que frequentam creches desenvolvem raciocínios lógicos e associativos.”
Cris Tempesta, doutora em Educação pela Unicamp