O Ministério da Economia está desenhando um modelo de meta para a dívida pública com banda de flutuação para cima ou para baixo, inspirado no sistema de metas de inflação adotado há 23 anos pelo Banco Central (BC) para definir a política de juros.

Uma das propostas testadas é um alvo para a dívida entre 60% e 70% do Produto Interno Bruto (PIB), com margem de tolerância de cinco pontos porcentuais para mais ou para menos, segundo apurou o Estadão. Por exemplo: se a meta for de 65% do PIB, o governo cumpriria a meta se levasse a dívida para o intervalo entre 60% e 70%. Hoje, a dívida está em 78,2% do PIB – no melhor momento, em dezembro de 2011, chegou a 51,3%.

Não há, porém, nenhum número fechado. Dependendo do nível da dívida e da sua trajetória, o sistema de bandas permitiria aumentar as despesas acima da inflação desde que garantida a continuidade da queda do endividamento. Se a dívida estiver subindo, o governo teria de voltar a corrigir as despesas.

Os técnicos da equipe econômica pretendem apresentar o resultado das simulações em reunião no início da semana que vem. O modelo faz parte da regulamentação de emenda constitucional promulgada em março de 2021 que garantiu a prorrogação do auxílio emergencial.

A emenda introduz uma meta para a dívida pública no arcabouço das regras fiscais, mas, passado mais de um ano, ainda não foi regulamentada. A expectativa da área econômica é de que o projeto de regulamentação seja discutido pelo Congresso na janela de votações depois das eleições. A ideia dos técnicos é que a dívida pública passe a ser a principal âncora da política fiscal brasileira. Hoje, esse papel é do teto de gastos, regra que atrela o crescimento das despesas à inflação.

Emergentes

A proporção de 60% do PIB costuma ser referência para economias emergentes, como o Brasil. A previsão do governo é de que a dívida bruta em 2022 seja em torno de 78% do PIB. Em 2020, primeiro ano da pandemia da covid-19, a dívida bruta subiu para 88,6% do PIB. Na época, analistas chegaram a prever que o endividamento público poderia chegar a 100%, o que não aconteceu.

Como mostrou o Estadão em meados de julho, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, discute mudanças no teto com a possibilidade de garantir um aumento real das despesas primárias (acima da inflação). Um dos números em estudo era de 1,5% do PIB. Esse número pode subir a depender do PIB.

A “regra de bolso” a ser aplicada é a de que o ajuste do teto para acomodar mais benefícios sociais e investimentos não pode ser maior do que a expansão do PIB. Para 2022, o governo prevê alta do PIB de 2%. Para 2023, a estimativa chega a 2,5%, cenário que destoa do mercado financeiro, que projeta uma desaceleração para 0,4%.

A regulamentação da meta para a dívida é discutida com o ajuste no teto. Os técnicos do Ministério da Economia na área fiscal defendem a permanência de uma regra de controle das despesas aliada à meta para a dívida.

Bandas

Um integrante da equipe econômica disse ao Estadão que a vantagem é que a própria emenda diz que a lei complementar pode autorizar a aplicação dos mesmos gatilhos (medidas de corte de despesas) já previstos, como o congelamento de salários dos servidores e cortes de benefícios fiscais. Esses gatilhos poderão ser acionados para colocar a dívida na meta.

Num primeiro estágio de cenário de endividamento e rombo nas contas públicas crescentes (o pior cenário), o governo teria de fazer cortes nas despesas, e os gatilhos poderiam ser usados como variável de ajustes finos ao longo do tempo.

Num segundo estágio de cenário, de dívida caindo e pequeno déficit ou superávit, as bandas poderiam permitir usar um “pedaço” do crescimento do PIB para aumentar as despesas. A receita estaria crescendo mais do que a despesa ao longo do tempo, e a dívida continuaria na trajetória de convergência para a meta.

Já num terceiro cenário, de superávit nominal (que inclui o pagamento de juros da dívida) e trajetória de queda da dívida, o governo poderia reduzir os impostos mais rapidamente.

Analista do Senado e especialista em contas públicas, Leonardo Ribeiro considera uma estratégia positiva e alinhada a boas práticas internacionais a substituição do teto de gastos, regra de despesas, por uma âncora fiscal balizada pela dívida pública. “Há transações que não necessariamente passam pelo Orçamento e afetam a dívida pública, como capitalização de bancos públicos com títulos de dívida e mesmo a postergação do pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União)”, afirma. “O teto de gastos tem várias exceções, é mais fácil de driblar. Já uma regra de dívida é mais abrangente e mais diretamente ligada à sustentabilidade da dívida.” Ele questiona, porém, estipular uma banda de flutuação.

Já o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, avalia que a manutenção do teto atual seria mais prudente, com alguns ajustes para acomodar despesas permanentes já anunciadas, como a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600. “Como ainda estamos num nível de endividamento muito alto, você não pode só apostar em aumento de receitas; precisa ter um controle de despesas que seja próximo à inflação, que acaba sendo um instrumento para chegar na meta de dívida”, diz.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.