Guilherme Amado Coluna

Coluna: Guilherme Amado, do PlatôBR

Carioca, Amado passou por várias publicações, como Correio Braziliense, O Globo, Veja, Época, Extra e Metrópoles. Em 2022, ele publicou o livro “Sem máscara — o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos” (Companhia das Letras).

‘Governo é medíocre e ninguém quer ser sócio de um governo impopular’

Cientista político Cláudio Couto explica por que a relação do governo com o Congresso se deteriorou

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O cientista político Cláudio Couto, da FGV de São Paulo, não faz rodeios ao qualificar o terceiro governo de Lula: para ele, Lula III é “medíocre”. Falta ao presidente, na avaliação de Couto, “fazer política”, dialogar diretamente com o Congresso. Não só: falta-lhe também uma marca, ou seja, políticas públicas que de fato mostrem à população que a vida melhorou. Em paralelo, Couto vê o Congresso cada vez mais poderoso. E parlamentares que não querem se tornar sócios de um governo impopular.

Confira a conversa de Cláudio Couto com a coluna.

Como o senhor vê esse momento, com as pesquisas todas mostrando que Lula está em baixa e, em Brasília, os parlamentares em franca rebelião contra o governo?
Há dois movimentos aí que acabam se reforçando um pouco mutuamente. Um é mais estrutural, que tem a ver com esse crescimento do poder do Congresso, com o controle sobre o Orçamento, que faz com que os parlamentares sejam muito menos dependentes de qualquer tipo de benevolência do Executivo. E aí você vai colocando o Executivo nas cordas. E aí isso se soma o fato de que a gente tem um presidente à esquerda com o Congresso muito à direita. Aqueles partidos de adesão, que são os partidos do centrão, antes se tornavam muito pragmáticos e pouco ideológicos, porque era o preço que se pagava para ter acesso aos recursos do Executivo. Hoje eles podem já se dar mais ao luxo de serem ideológicos por conta desse ganho de poder.

Com o governo em tão baixa popularidade, não fica mais fácil para o Congresso fazer esse enfrentamento?
Diante da impopularidade do governo, que não está conseguindo fazer entregas que o distinguam em relação a outras administrações, que deem uma marca, isso tudo reforça o problema que esse governo congressual gera. Se já era difícil estruturalmente, com um governo impopular fica ainda pior. Sequer há aquela pressão natural de um presidente diante do Congresso, que fica mais disposto a colaborar, porque quer virar sócio desse governo popular. É exatamente o contrário que acontece: ninguém quer ser sócio de um governo impopular. E, não tendo muito motivo ideológico para isso, nem necessidade financeira para isso, aí fica o pior dos cenários, é uma tempestade perfeita.

E por que o governo caiu no desgosto público?
Ele caiu no desgosto público primeiro por conta de não conseguir ter uma marca, qualquer que seja ela. Alguma política pública que realmente tenha efeito sensível para as pessoas, que as pessoas sintam que, de fato, suas vidas melhoraram. E tem um outro fator que pesa muito contra o governo, que é uma inflação herdada, uma inflação muito alta. Eu não estou nem me referindo —daí o termo herdada — aos índices inflacionários atuais, que estão um pouco acima da meta, mas não são nenhuma loucura.

A inflação é a do supermercado?
É. Na verdade, o custo das coisas já aumentou e o ganho de renda não acompanhou esse aumento do custo das coisas que ocorreu no passado. O resultado é que as pessoas hoje vivem uma situação de aperto. Então, mesmo que você tenha economia em crescimento, inflação sob controle e desemprego baixo, o fato é que está tudo muito caro. Consequentemente, as pessoas sentem que o seu padrão de vida não está lá aquelas coisas e é claro que isso leva a uma avaliação negativa do governo. Então, eu acho que é essa relação entre custo de vida e renda que, a meu ver, tem causado grande parte da impopularidade do governo. E, enquanto esse negócio não se resolve, as pessoas realmente ficam mal humoradas e isso se reflete na popularidade baixa do governo.

Cláudio Couto

O cientista político Cláudio Couto

Muito se culpou o Paulo Pimenta e sua equipe pelo fracasso do governo porque era um problema de comunicação. Trocou o comunicador, mas isso também não está melhorando. Não era um problema de comunicação?
Eu acho que era ruim, sim, a comunicação do governo na gestão Pimenta. Entendo que a comunicação teve uma melhora com a entrada do Sidônio, só que, por si só, isso não resolve o problema. Aquela questão econômica a que eu aludi antes, ela não vai ser resolvida com a melhora de comunicação. As pessoas vão sentir isso indo ao mercado. Esse é o primeiro ponto. O segundo é que a gente notava que, até estourar a crise do INSS, que o governo até começou a sair um pouquinho das cordas.

avaliação que o Planalto faz é essa, mesmo.
E eu acho que é isso. A crise do INSS foi uma bomba atômica em cima do governo, foi um desastre. E é por isso que, enfim, a gente fica até meio estupefato com a desfaçatez que teve o PDT de ainda achar que o Lupi estava sendo pouco respeitado pelo governo ao ser posto para fora. Porque ele conseguiu produzir talvez o pior evento para o governo desde que ele começou.

Porque a crise do Pix tinha muito de desinformação e esta, do INSS, não precisou nem de campanha de desinformação.
Não. Ali o fato era real. O ministro sabia da coisa desde o começo do governo e não fez nada para resolver. Então, realmente, o ministro que faz uma lambança dessa ainda achar que precisava ser mimado… O prejuízo que o Lupi produziu para o governo é um negócio monstruoso.

Fala-se muito do ressentimento gerado entre aqueles que não participaram da ascensão social por meio de ações do governo nas gestões anteriores de Lula. O presidente personifica esse alvo do ressentimento?
Ah, eu não tenho dúvida. Ele personifica.

Muito mais pelo que ele fez lá atrás do que pelo que ele está fazendo agora, pelo visto.
Exato. E claro, se ele nesse momento não tem um governo notável, isso piora as coisas, né? Porque, vamos dizer, ele precisaria entregar muito mais para poder compensar esse tipo de problema. E não está conseguindo. É um governo medíocre.

Eles dizem que encontraram terra arrasada.
Pode ser. Mas até aí… Não deixa de ser medíocre. Se encontraram terra arrasada ou não, o resultado é que o governo tem um resultado medíocre.

‘Governo é medíocre e ninguém quer ser sócio de um governo impopular’

Diante de tudo isso, o que vai acontecer na eleição do ano que vem? Lula está perdendo tração, perdendo gordura. Vai chegar no osso à eleição?
Se tudo continuar do jeito que está, sim. Se nada mudar, se não houver nenhum tipo de correção de rota, se não for um governo capaz de o presidente tomar mais as rédeas do processo, de conseguir produzir efeitos mais palpáveis para a população, será um cenário dos sonhos da oposição ao presidente. Ele chega frágil no ano que vem; e, aí, a melhor coisa que pode haver é alguém ser candidato de oposição. Eu acho que o cenário que hoje tá se montando é esse. O governo precisava dar uma sacolejada pra poder ganhar força, ganhar tração, para poder mostrar que está disposto a fazer coisas. Acho que é um governo muito na marcha lenta.

Se o senhor fosse dar um conselho a Lula sobre três coisas que ele precisa mudar, o que diria?
Primeiro, eu diria: mande o Rui Costa embora. Arranje um ministro da Casa Civil que seja mais construtivo, que não fique sabotando colegas de governo, que faça o governo sair da inércia. Acho que essa seria a principal recomendação. Segunda: entre em campo. Ou seja, faça política, vá conversar com parlamentares, vá ao Congresso. E uma terceira coisa — até acho que ele já está fazendo: Se comunique mais, apareça mais. Mas cuidado pra não falar bobagem. Lula a gente sabe que começa a improvisar e fala besteira que não acaba mais. E aí acaba se queimando também.