Prestes a dar início ao novo governo, o mandatário Lula vai tentando aplainar o terreno na Casa onde deve enfrentar seus maiores embates e resistências para administrar o País. Das urnas saiu um desenho de Congresso francamente opositor às suas ideias, mais alinhado – e, em parte, submetido – aos ditames do antecessor, Jair Bolsonaro. O presidente eleito terá trabalho nesse sentido, e sabe disso. Daí ter começado as suas primeiras movimentações por Brasília, visitando e buscando tratativas justamente com os atuais titulares do Senado e da Câmara, respectivamente Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. Foi bem recebido pelos dois, naturalmente, como pede a boa etiqueta. Rapapés, sorrisos e trocas de promessas de uma saudável convivência estiveram nas conversas. Mas Lula sabe que precisa mais do que mera diplomacia no caso. Conhece bem os humores das articulações e reações parlamentares. Não é um neófito nesse quesito. Planeja um modelo de entendimento que não passe pelo tradicional toma lá, dá cá das antigas gestões de cooptação, embora entenda que, de qualquer forma, terá de governar com um amplo leque de acordos para lhe dar bases e retorno às demandas que pretende encaminhar. Assim, deve estar entrando em voga um verdadeiro plano de coalizão, com o atendimento a pautas mínimas, comuns de lado a lado. A ideia da PEC de Transição faz parte desse balaio que poderá exigir, em troca, a permanência de algumas emendas do relator no famigerado orçamento secreto. Lula abomina o recurso, criado e incentivado no bojo da campanha de reeleição do atual inquilino do Planalto. Mas sabe que precisa escolher bem as batalhas iniciais para não perder toda a guerra. Esse assunto, pelo fim de todas as emendas, deve ser mesmo deixado para uma segunda etapa. O mercado reclama a favor da responsabilidade fiscal, parecendo não entender que essa já foi quebrada há muito tempo por meio dos seguidos furos de teto (por cinco vezes aconteceu, sob a égide do ministro Paulo Guedes, com a pressão insofismável do chefe) e que agora é preciso muita política e tempo para contornar o problema, cobrir o rombo e, em simultâneo, executar um mínimo do projeto que foi escolhido pela maioria como vitorioso na eleição. Fala-se aqui do programa social, que garante renda básica aos desassistidos e o esforço pelo resgate de milhões da miséria. Por que da surpresa nesse sentido? O demiurgo de Garanhuns avisou que faria isso e terá de cumprir. O mercado e as especulações doidivanas que provoca não serão capazes de demovê-lo do objetivo. Parece que não conhecem o personagem. Lula é talhado na arte das tratativas parlamentares e sabe que é por aí que conseguirá governabilidade. Faz acenos inclusive ao Centrão, porque entende ser imprudente desprezar a influência que o bloco detém naquela caldeira de interesses. Como disse: “eu enxergo os congressistas que foram eleitos e temos que falar com eles”. Nada mais natural. A banca financeira, os setores empresariais e demais agentes possuem uma postura reativa e o mandatário eleito sabe que não goza nesse meio de qualquer boa vontade. Ao contrário. Percebeu a onda de um certo revanchismo em curso, devido à torcida e ao lamento pela derrota do opositor que era, majoritariamente, o preferido dessas camadas. Não se importa.

Com a maioria das pessoas de baixa renda a seu favor, acredita que levará adiante a pretensão de deixar uma marca histórica, recuperando a antiga imagem, mais nobre, mais polida, arranhada por desvios de percurso. O seu terceiro mandato – e ele promete que ficará por aqui – serve a tal propósito: consolidar um legado que assegure, de maneira reluzente, o nome na história. Não apenas para o público interno. Mundialmente, inclusive. Daí a preocupação com firmes alianças e a busca de respaldo na comunidade internacional. No plano da Câmara e do Senado, Lira e Pacheco alimentam o sonho de serem reconduzidos ao cargo por mais uma temporada – decisão que sai logo após a volta do recesso, no alvorecer de fevereiro. O aval de Lula nesse sentido ou, ao menos, o não engajamento dele no trabalho de outros nomes concorrentes já ajudaria muito. O presidente eleito prometeu a Lira que não irá se envolver na questão, mas até as pedras do Palácio sabem que o atual comandante dos deputados não conta com a preferência daquele que foi sempre prejudicado pelas decisões tomadas ali. Lira é um atávico seguidor e aliado bolsonarista. Segurou todos os pedidos de abertura de processo de impeachment contra o protegido. Colaborou nos mais espúrios expedientes para a tentativa de derrota do petista. Posar agora de samaritano do entendimento não passa de encenação. Já Pacheco, sempre dúbio nas movimentações, pode ter alguma chance. O fato é que Lula se mexe nessa praia com muito cuidado e sensibilidade para não alimentar dissabores maiores do que os já previstos.