Os assassinatos à queima-roupa de dois taxistas em Rosário, cidade com a maior taxa de homicídios na Argentina, são o mais recente episódio de uma série de ataques de narcotraficantes que têm como alvo um governador questionado por “bukelizar” a segurança pública.

Em dois meses de gestão, Maximiliano Pullaro, o governador da província de Santa Fé (centro), onde fica a cidade de Rosário, recebeu 25 ameaças que atribui ao endurecimento das condições de detenção dos presos de alto perfil.

Pullaro busca concluir a construção de uma prisão de segurança máxima e, entre outras coisas, na terça-feira (5), divulgou imagens de presos em um estilo que políticos e acadêmicos acusam de ser uma cópia do presidente de El Salvador, Nayib Bukele.

“Quanto mais se intrometerem conosco, pior será para eles”, advertiu aos chefes do tráfico o ministro de Segurança local, Pablo Cococcioni, garantindo que, quando a prisão de alta segurança estiver concluída, “não poderão nem piscar”.

– Retaliações –

Com 1,3 milhão de habitantes e terceira maior cidade argentina, Rosario é o principal porto do país e, segundo especialistas, tornou-se, através da hidrovia no rio Paraná, um ponto privilegiado para a saída de drogas de Bolívia, Brasil e Paraguai para a Europa e a Ásia.

A cidade tem a pior taxa de homicídios do país: 22 por 100.000 habitantes, cinco vezes maior que a média nacional.

O fenômeno da delinquência colocou em foco o funcionamento das prisões, de onde os líderes de organizações criminosas ordenam ataques armados.

Na noite de terça, um taxista foi alvejado com nove tiros em seu carro. Na quarta, outro foi assassinado com um tiro na cabeça. O sindicato relaciona essas mortes a retaliações pela divulgação de imagens de revistas prisionais e um grupo de taxistas se manifesta nesta quinta-feira em frente à sede do governo.

Na terça-feira à tarde, as autoridades divulgaram fotos e vídeos de presidiários de cuecas, agachados e enfileirados, imagens acompanhadas por música heavy metal.

Em outro incidente, em 2 de março, um ônibus com funcionários do Serviço Penitenciário foi alvo de nove disparos de um carro. Os agressores deixaram ainda uma mensagem intimidadora que não foi divulgada.

O presidente Javier Milei elogiou na sexta-feira passada o trabalho de Pullaro em Rosário e citou uma marcante redução de homicídios em janeiro e fevereiro em relação ao ano passado (60% segundo Milei, um número “exagerado” segundo verificadores de fatos do Chequeado).

– Alimentar uma identidade –

“Claramente, o motivo é uma reação à reorganização dos presos de alto perfil feita pela gestão atual”, disse à AFP Franco Carbone, o promotor que investiga as ameaças às autoridades políticas.

“O objetivo é chamar a atenção, não apenas das autoridades, mas de cada pessoa que vive em Rosário, e gerar comoção pública”, acrescentou.

De acordo com a Justiça, essa foi a intenção por trás dos tiros disparados no ano passado contra o estabelecimento comercial do sogro do astro do futebol Lionel Messi nessa cidade.

Esses “tiroteios” alteram a vida cotidiana das áreas mais desprotegidas de Rosário, onde prédios luxuosos contrastam com 175 assentamentos precários que carecem de serviços básicos.

“Até alguns anos atrás, este era um bairro tranquilo, agora não se pode sair à rua depois das 20 horas”, contou Sonia, uma dona de casa de 57 anos que não quis dar seu sobrenome por medo.

Ela mora no bairro Tablada, a poucos metros de um “bunker”, como são chamadas as residências dedicadas à venda de drogas a varejo, que está sendo demolido por decisão do Ministério da Segurança.

“O governo começou com uma lógica muito preocupante, que eu chamo de ‘bukelização’, porque a única coisa significativa que está fazendo (…) são cenas midiáticas”, afirmou à AFP Enrique Font, professor de Criminologia da Universidade de Rosário.

“É contraproducente, porque o fenômeno que está sendo enfrentado é uma violência muito rústica e identitária. O pior que se pode fazer pelo Estado é alimentar essa identidade, usando-os politicamente, mostrando-os, porque a violência identitária quer esse reconhecimento”, explicou o especialista, criticando que sejam fotografadas e filmadas as revistas e transferências.

O deputado local Carlos Del Frade, pesquisador do fenômeno da criminalidade, disse que a decisão do governo de divulgar as imagens “busca apenas gerar controle social com a desculpa de combater o narcotráfico”.

O próprio Bukele, que iniciou uma cruzada contra as gangues em El Salvador, fez menção a Rosário após ser reeleito presidente.

“O problema da Argentina é (…) preocupante, especialmente em Rosário e em outras áreas, mas menor do que em El Salvador”, afirmou, e acrescentou que as medidas a serem adotadas “não teriam que ser tão drásticas” quanto em seu país.

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