O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes se reelegeu no primeiro turno de 2022 com uma expressiva vitória, tornando-se poderoso aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro no Centro-Oeste. A musculatura conquistada nas urnas foi transformada, no entanto, numa ferramenta para perseguir adversários numa sucessão de denúncias que tramitam no estado e também nos órgãos federais, em Brasília.

Entre seus alvos estão 17 jornalistas de veículos de Cuiabá que publicaram ou reproduziram reportagens, algumas delas sobre operações da Polícia Federal, apontando suposto envolvimento do filho do governador, Luiz Antônio Taveira Mendes, com mineração ilegal.

O mais atacado é o repórter Alexandre Aprá, dono do site “Isso É Notícia”, que em 2021 acusou o governador, sua mulher, Virgínia, e o publicitário Ziad Fares, amigo da família e à época detentor de contratos com o governo estadual, como contratantes de um detetive particular que tentou forjar um flagrante por pedofilia para destruir a reputação do jornalista como retaliação a matérias sobre licitações suspeitas.

Detetive particular

A trama foi desvendada por um repórter investigativo que, ao perceber que Aprá corria risco de ser morto pelo detetive Ivancury Barbosa, o suposto contratado, se infiltrou no esquema como “ajudante”, gravou tudo, em vídeo e áudio, e entregou à TV Record, que deu a história numa reportagem de 20 minutos no Domingo Espetacular em setembro de 2021.

Sem perceber que estava sendo gravado, o detetive detalha as tratativas que diz ter feito com Virgínia e Fares e conta que sua missão era atrair Aprá para um programa sexual com um menor, uma armadilha que terminaria com prisão em flagrante do jornalista por pedofilia.

Conta também que a contrapartida por seu trabalho seria a regularização de uma gleba de terras na região do Xingu.

Procurado à época pelo repórter Lumi Zùnica, da Record, Mendes negou que conhecesse o detetive. Zùnica, até então, só havia falado com Mendes. Dez minutos depois de desligar o telefone, o detetive ligou para ele tentando desmentir o que dissera nas gravações, para aliviar a família Mendes, o que deixou a suspeita de que alguém que soube da entrevista que só ele e Mendes sabiam e teria acionado Ivancuri Barbosa.

No mesmo período o governador partiu para a retaliação pedindo investigações por “difamação, calúnia e organização criminosa” à Polícia Civil, que atendeu todos os pleitos de seu advogado, Hélio Nishiyama, empossado nesta quarta-feira, 21, como novo desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) nomeado por Mendes dentro do quinto constitucional que caberia à OAB estadual indicar.

“Estou sendo alvo da polícia paralela do governador.”
Mauro Mendes Alexandre Aprá, jornalista do site Isso É Notícia

Apoiado pelo Sindicato dos Jornalistas do Mato Grosso, Fenaj e Abraji, Aprá denunciou ter se tornado alvo da “polícia paralela de Mauro Mendes” que, na semana passada, munida de um mandado judicial, entrou em sua casa e apreendeu seu celular, notebook, tablet e o computador, aparelhos de trabalho onde estão armazenadas as fontes de informação com as quais o jornalista se relacionava para produzir suas reportagens.

O delegado que presidiu o inquérito, mas já não está mais no caso, Rui Guilherme Peral, chegou a pedir a prisão de Aprá, negada pela justiça.

A mesma operação alcançou também o jornalista Enoque Cavalcante, que reproduziu em sua coluna notícias que também desagradaram o governador.

O advogado André Matheus, que defende Aprá e vários outros jornalistas pela Fundação Herzog, sustenta que todos os procedimentos contra os profissionais “são atípicos, fora dos padrões da constitucionalidade” e revelam uma tática de assédio judicial para intimidar imprensa.

O advogado impetrou um habeas corpus no TJMT para anular a operação e vai ingressar com uma reclamação constitucional no Supremo Tribunal Federal (STF) alegando que Mendes atenta contra a liberdade de imprensa ao pedir a quebra do sigilo das fontes, rompendo uma garantia constitucional dos jornalistas.

O advogado diz que o governador usa o assédio judicial como tática, abrindo processos em série pedindo, além de condenação criminal, indenizações de valores estratosféricos. Num deles, já transitado em julgado, cobra de Aprá R$ 200 mil.

O governador também ganhou outro processo por danos morais contra o irmão do prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, Marco Polo Pinheiro, por este feito em seu blog um comentário sobre as notícias. O prefeito e o governador rivalizam na política regional.

No caso de Aprá, em vez de mirar o detetive e contratante, a polícia mato-grossense inverteu as investigações, acusando o jornalista de espalhar Fake News.

Como resposta à ofensiva de Mendes, acusado de assédio judicial, os jornalistas, advogados e entidades, em comitiva, farão uma peregrinação por órgãos públicos na semana que vem em Brasília. Terão um encontro com o Secretário Nacional de Justiça, Jean Uema, para que a denúncia chegue ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, através do Observatório de Violência contra Jornalistas, e depois irão ao Ministério Público Federal para reforçar o pedido de federalização das investigações que “dormem” nas gavetas desde a gestão do ex-PGR Augusto Aras. Também vão ao STF e ao Congresso.

Governador ameaça jornalistas
Jornalista Alexandre Aprá denuncia que governador do MT estaria usando a polícia do estado em ações contra ele (Crédito:Divulgação )