Elías Figueroa tem gostado do Internacional nos últimos jogos da equipe. Um dos maiores ídolos da história do clube gaúcho, o ex-zagueiro chileno aprova a forma intensa de jogar da equipe do técnico argentino Eduardo Coudet, que lidera o Campeonato Brasileiro e o Grupo E da Copa Libertadores, no qual também está o arquirrival Grêmio.

Em entrevista ao Estadão, Figueroa compara a fase atual com o time do Internacional no qual atuou e foi bicampeão brasileiro (1975 e 1976) e hexacampeão gaúcho (1971 até 1976). O ex-jogador também relembra momentos históricos como o “gol iluminado” e conta sobre a vida que leva hoje, como dono de uma vinícola.

Hoje, segundo o filho Ricardo, ele ocupa parte dos dias lendo e escrevendo poesia – atividades também já realizadas desde a época que estava em campo, pois o zagueiro era grande admirador de Pablo Neruda e Gabriela Mistral. Ao menos uma frase célebre de Figueroa já foi imortalizada: “A grande área é minha casa. Aqui só entra quem eu quero”.

Você tem acompanhado os jogos do Inter neste começo do Brasileirão? O que tem achado da forma de jogar da equipe?

Mesmo morando no Chile, a gente tenta acompanhar por internet ou TV os jogos do Inter e a equipe tem se apresentado muito bem em campo, com uma estrutura que no futebol se conhece como a coluna vertebral definida.

O que acha do trabalho de Eduardo Coudet em termos táticos?

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Tenho gostado da equipe. Joga rápido, tem bom passe e propõe intensidade no jogo. Gosto desse futebol, que marca em cima, abafando, sem dar espaços.

Vê alguma semelhança com a equipe em que você jogou e foi bicampeã em 1975 e 1976?

Bom preparo físico, já que para obter essa intensidade no jogo tem que ter preparo físico. Na nossa época, tínhamos um preparador excepcional que era o grande Gilberto Tim, chegávamos a ter pesadelos com ele. No dia a dia nos propunha níveis de dificuldade incríveis, como correr com pesos de areia nas pernas, éramos um time forte e que corria o tempo todo. Se você aliar a isso à qualidade técnica, fica difícil vencer uma equipe assim.

E quais seriam as diferenças para aquele time?

Muita gente hoje em dia pensa que o futebol mudou muito e eu discordo. O futebol sempre teve um só objetivo que é ganhar o jogo e, para isso, devemos ter um time com qualidade em campo, fazer gol e não levar, simples assim. Tínhamos uma equipe muito entrosada, que não tinha medo de nada nem de ninguém, se fazia respeitar onde fosse, e isso muito também pela preparação física e, obviamente, pela qualidade dos jogadores que tínhamos como Valdomiro, Paulo Cezar Carpegiani, Escurinho, Falcão, Manga e tantos outros companheiros de mil batalhas. Então, se comparamos aquele time com o de hoje ressaltam a qualidade e inteligência da equipe, e hoje o Internacional tem excelentes jogadores jovens e também a experiência de um extraclasse como D’Alessandro, que pode fazer toda a diferença nos momentos difíceis. Tem um ditado que diz que jogadores jovens ganham jogos, e jogadores experientes ganham campeonatos.

Quais lições você acredita que o time bicampeão poderia trazer à equipe atual?

Jogávamos igual em qualquer campo, com pressão ou sem, e isso parece com a situação atual onde se está jogando sem público, aí não tem pressão de 100 mil pessoas te vaiando, é você contra o adversário. E eu, que tive a sorte de marcar Pelé, Maradona, Platini, Rivelino, Cruyff e tantos craques, posso dizer que ninguém tem três pernas, nem pula três metros. Se ele é bom, eu também sou, e é só no campo que se decide.

Considera o Inter favorito ao título do Brasileirão?

Inter é time grande e sempre vai estar entre os favoritos. O importante é continuar jogando bem e compenetrados, que o prêmio virá em forma de vitórias.

O que poderia melhorar na equipe em busca do título?

A defesa sempre é importante e deve ser o centro da estabilidade da equipe, pois vê o jogo desde atrás e tem a noção completa do campo.


Considera o Inter forte na briga também pela Libertadores?

Volto a dizer o Inter é time grande, já ganhou Libertadores e Mundial, com essa história vai ser favorito sempre.

Com quais adversário você acha que o Inter deveria se preocupar mais no Brasileirão?

Do que eu tenho acompanhado, vejo que o Flamengo, o Palmeiras e o Atlético Mineiro estão jogando muito bem também.

O Inter não é campeão brasileiro desde 1979. Acredita que esse longo jejum na competição pode pesar no fator emocional da equipe ou da torcida?

Acredito que não, a equipe tem qualidade e jogadores experientes que transmitem tranquilidade ao grupo. Pelo contrário, se eu estivesse jogando este fator seria muito mais uma motivação do que um peso.

Poderia falar sobre o “gol iluminado” que decidiu o Brasileirão de 1975? Como você descreveria aquele momento e o que sentiu na hora?

Em 1975 o Campeonato Brasileiro era o mais longo, extenso e difícil do mundo. Os times tinham muita qualidade, pois os jogadores não iam para a Europa, mas nós no Sul tínhamos uma equipe realmente forte, com um técnico incrível como Rubens Minelli. Naquele ano, a final era um jogo só e jogaríamos contra o super time do Cruzeiro com Palhinha, Nelinho, uma grande equipe, mas em Porto Alegre e no Beira Rio, onde com o apoio de nossa torcida nós não podíamos perder. Na noite anterior eu tive um sonho, acordei de manhã, liguei para minha esposa e disse, ‘vou fazer o gol do campeonato’, eu pressentia isso. Já no campo, eles eram ferozes, mas nós éramos mais, muito mais, veio então o momento mágico do gol iluminado. Valdomiro cruzou e, por um instante, tudo ficou em câmera lenta, a luz do sol bateu na minha cara e eu vi o Raul Plassmann parado à minha direita e de cabeça consciente enviei a bola no outro canto. Ouvi uma explosão ensurdecedora de alegria da torcida, lembro meus colegas pulando em cima de mim e eu dizendo, ainda tem jogo, não podemos relaxar. Já de noite em casa, quando vimos a repetição na TV, todo mundo começou a falar do gol iluminado e do raio de sol inexplicável, já que era fim de tarde e o sol estava se pondo. Se você ainda hoje observar a imagem, o campo estava todo em sombra e ninguém se explica de onde aparece esse raio de sol ilógico no momento, mas eterno para mim.

Você acha que algum jogador do time atual do Inter tem as mesma características de liderança que você tinha?

Penso que o D’Alessandro por experiência e sua grande qualidade deve certamente ter uma grande liderança no grupo. Isto se forma nos vestiários, no dia a dia, em solidarizar com seus companheiros, no treinamento em todo momento e o grupo reconhece e agradece.

Além deste, quais foram os outros momentos especiais da sua passagem no Inter?

Tive muitos, joguei até de goleiro quando expulsaram nosso goleiro e tínhamos esgotado as substituições, foram infinitas batalhas contra grandes adversários que enalteceram nossos triunfos e nossas vidas. Sou agradecido ao clube e principalmente a sua maravilhosa torcida.


Considera que recebe o reconhecimento adequado a um ídolo da parte do Inter, do Peñarol e da seleção chilena?

Nesta semana mesmo o Peñarol jogou pela Libertadores no Chile (enfrentou o Colo-Colo pela terceira rodada da fase de grupos) e me fez uma homenagem emocionante, me entregando uma camiseta com meu nome. Já no Chile o estádio de Valparaíso em que se jogou Copa América leva meu nome, e eu estou na seleção Fifa/Conmebol de todos os tempos. São grandes reconhecimentos que me enchem de orgulho, mas o reconhecimento mais importante sempre é o das pessoas, e graças a Deus onde eu vou sempre recebo muito desse carinho.

O que você faz da vida hoje em dia?

No Chile, o vinho faz parte da nossa cultura e nós temos uma vinícola boutique familiar na qual cumpri o sonho de meu pai, e onde produzimos excelentes vinhos, que orgulhosamente têm sido premiados internacionalmente e que atualmente exportamos para o Brasil e outros países.


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