A os oitenta e três anos de idade, a americana Gloria Steinem, uma das pioneiras e mais atuantes líderes feministas em todo o mundo, ainda estava a nos dever um livro reunindo as suas jornadas. O saldo acaba de sair do vermelho com o lançamento de “Minha vida na estrada”, obra que é bem mais que uma autobiografia porque olha para o futuro social a partir da experiência pessoal. A importância maior de Gloria e de seu livro para o Brasil é contribuir para que definitivamente compreendamos aquilo que muitas feministas hesitam em aceitar: a luta pelos direitos da mulher somente produzirá resultados práticos se ela se der no interior de uma luta mais abrangente pelos direitos civis.

Aqui, em alguns episódios, ficamos numa espécie de recorte avulso do feminismo, com críticas que, por exemplo, se perdem no dia a dia. No Brasil, a luta pelos direitos da mulher tem de ser também a luta contra a discriminação racial, e essas duas têm de se somar à plataforma contra a perversa distribuição de renda, e essas três devem se unir à jornada pelo direito a toda e qualquer orientação sexual, e todas essas manifestações precisam formar uma frente a exigir o cumprimento à risca da Constituição. Essa foi a chave de Gloria numa época muito mais espinhosa, na qual defender a mulher dava linchamento em praça pública — não apenas moral, mas físico também.

Em sua juventude a autora pisou o Lincoln Memorial quando Martin Luther King fez o seu imortal discurso “I have a dream”, criou a combativa revista “Ms.”, brigou feio com Saul Bellow quando ele desqualificou a sua entrevista com Bobby Kennedy. Novamente no Lincoln Memorial, esteve à frente da histórica marcha de um milhão de mulheres que repercutiria em todo planeta — até no mais do que machista bloco comunista. Nos dias atuais, em que direitos foram conquistados, o discurso de Gloria pode parecer antigo ou até engraçado, mas é preciso colocar a autora em sua época.

Entraram para história algumas de suas tiradas, como “uma mulher sem homem é como um peixe sem bicicleta” e “se você conquistar um homem o melhor que faz é devolvê-lo ao mar”. Fora, digamos, tal tipo de provocação, Gloria nos deixa dois grandes ensinamentos, urgentes de serem apreendidos. Um deles: “sem saltos de imaginação nós perdemos a excitação das possibilidades porque sonhar é uma forma de planejar”; o outro: “muita coisa depende da forma como criamos nossas crianças e tratamos nossos jovens porque será assim que eles tratarão os outros”.

Eu sou mulher e sou feminista. Recomendo às mulheres (e também aos homens) que leiam Gloria Steinem.

Uma mulher sem homem é como um peixe sem bicicleta