O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu nesta quarta-feira, 3, diversos artigos da Lei do Impeachment relativos ao afastamento de ministros da Corte por serem “incompatíveis com a Constituição de 1988”. Na decisão, o decano defendeu que a apresentação de denúncia para abertura desse tipo de processo deve ser atribuição exclusiva do Procurador-Geral da República.
O artigo 41 da lei permitia a qualquer cidadão apresentar denúncia para abertura de impeachment contra ministros do Supremo. Em sua justificativa, Gilmar Mendes defendeu que a regra “estimula a apresentação de denúncias motivadas por interesses político-partidários, sem rigor técnico e baseadas apenas em discordâncias políticas ou divergências interpretativas das decisões da Corte”.
“O Chefe do Ministério Público da União, na condição de fiscal (CF, art. 127, caput) da ordem jurídica, possui capacidade para avaliar, sob a perspectiva estritamente jurídica, a existência de elementos concretos que justifiquem o início de um procedimento de impeachment”, afirmou.
A decisão foi proferida conjuntamente nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 1259 e 1260, apresentadas pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A decisão será levada a referendo do Plenário do STF.
Quórum
Outro ponto alvo de questionamento pelas ADPFs é o quórum necessário para a abertura do processo. Hoje, a lei prevê maioria simples. Para os autores das ações, essa previsão permitiria que apenas 21 senadores abrissem processo contra ministros do STF, número inferior ao exigido para aprovar a indicação de um ministro para a Corte.
Para o ministro Gilmar Mendes, o quórum reduzido atinge diretamente garantias constitucionais da magistratura, como a vitaliciedade e a inamovibilidade, enfraquecendo a autonomia do Judiciário e a legitimidade de suas decisões.
“O Poder Judiciário, nesse contexto, em especial o Supremo Tribunal Federal, manteria não uma relação de independência e harmonia, mas, sim, de dependência do Legislativo, pois submeteria o exercício regular de sua função jurisdicional ao mais simples controle do Parlamento”, disse.
O decano decidiu que o quórum de dois terços seria o mais adequado, por proteger a imparcialidade e a independência do Judiciário e por ser coerente com o desenho constitucional do processo de impeachment.
Afastamento cautelar e crime de hermenêutica
O ministro também entendeu que não é possível responsabilizar ou instaurar processo de impeachment contra magistrados com base apenas no mérito de suas decisões, o que configuraria criminalização da interpretação jurídica, prática inadmissível, conforme jurisprudência consolidada do STF.
“Não se mostra possível instaurar processo de impeachment contra membros do Poder Judiciário com base – direta ou indireta – no estrito mérito de suas decisões, na medida em que a divergência interpretativa se revela expressão legítima da autonomia judicial e da própria dinâmica constitucional”, disse o ministro.
O relator acompanhou ainda o parecer da Procuradoria-Geral da República que defendeu a não recepção dos artigos referentes ao afastamento temporário de ministros. O PGR destacou que, ao contrário do presidente da República, um ministro do Supremo não tem substituto, e sua ausência pode comprometer o funcionamento do tribunal.