O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes defendeu a criação de uma nova Lei de Abuso de Autoridade para punir investigadores que, segundo ele, ‘vazam, precipitam’ a divulgação de informações sobre operações em andamento. Em entrevista ao programa ‘Conversas ao Sul’, da RTP (Rádio e Televisão de Portugal), Gilmar disse que é necessário ‘chamar os investigadores à responsabilidade’. Ele alertou, ainda, para as fake news. “Também os tribunais estão sendo julgados e, às vezes, condenados. Muitos colegas ficam bastante assustados, eu diria até amedrontados.”

“Já defendo isso há quase dez anos, uma nova Lei de Abuso de Autoridade, com sanções para quem faz isso, delegado que vaza, o investigador que vaza, que precipita (a divulgação de dados). Isso se tornou um espetáculo”, afirmou o ministro.

Ele declarou que o Brasil ‘vive hoje um momento delicado’. Disse que ‘há uma má prática dos órgãos de investigação, de vazarem logo informação, de definirem logo os culpados, antes que haja um juízo seguro’.

“Devemos ter muito cuidado. Acho que há até uma técnica, uma certa intenção, senão um dolo, que é de buscar um certo apoio da opinião pública para que se defina rapidamente aqauele quadro. Acho que há um propósito nesse sentido e isso é errado”, declarou.

“Temos hoje, após uma busca e apreensão, temos entrevista dada pelo delegado e por um procurador e que fazem imputações às vezes definitivas”, relatou.

Gilmar lembrou o caso do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina Luiz Carlos Cancillier, alvo da Operação Lava Jato que, em outubro de 2017, se suicidou em Florianópolis.

“Tivemos um caso trágico no Brasil, um ex reitor da Universidade de Santa Catarina que imputavam a ele desvio de 80 milhões de reais, portanto o programa todo teria sido desviado. Depois se viu que o orçamento era de 80 milhões e ele (Cancillier), na verdade, não fora o executor, que o seu antecessor executara (o programa) e o desvio fora mínimo. Não obstante foi preso e humilhado e se suicidou, portanto um custo enorme. E essas pessoas sequer pediram desculpas.”

Gilmar citou a delegada de Polícia Federal Érika Marena, responsável pelo inquérito que investigava o ex-reitor. Ela foi escolhida pelo ministro Sérgio Moro para chefiar o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica (DRCI), braço do Ministério da Justiça que rastreia fortunas enviadas por organizações criminosas a paraísos fiscais.

“A delegada que foi responsável por esse episódio (suicídio do ex-reitor) agora é chefe de um departamento do Ministério da Justiça, foi promovida pelo dr. Moro.”

O ministro comentou ainda o caso envolvendo o ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT/MS), que fez delação premiada na Operação Lava Jato.

“Era líder do PT, (promoveu) uma grande confusão, ele imputava uma dada prática de obstrução de Justiça a um banqueiro conhecido, André Esteves. Acabamos decretando a prisão do senador e do banqueiro. Depois se viu que o banqueiro nada tinha a ver com aquilo, que na verdade era uma narrativa mitômana e mentirosa por parte do senador. (Esteves) ficou 30 dias em (no presídio) Bangu no Rio de Janeiro, portanto com consequências gravíssimas para todo o seu sistema e para toda a sua representação. (Esteves) já foi inocentado, mas as pessoas sempre dizem ‘ah, ele fez alguam coisa’. Vivemos um momento muto delicado.”

O ministro queixou-se, ainda, das fake news – alvo de investigação em inquérito do Supremo.

Ele alertou para ‘a possibilidade de manipulação’ das informações e disse que ‘todos estão desafiados a tentar regular essa nova situação das redes sociais com suas influências, uma nova tecnologia’.

‘O debate é mais atual do que nunca nesse mundo bastante confuso que estamos vivendo. Esse mundo novo das redes sociais com as influências que isso tem, a tecnologia e toda essa possibilidade de manipulação. Acho que é um aprendizado para todos nós, estamos muito desafiados a tentar regular essa nova situação. O mundo do Direito está desafiado a tentar regular essa nova situação.”

Segundo Gilmar, ‘também os tribunais estão sendo julgados e, às vezes, condenados’.

“Muitos colegas ficam bastante assustados, eu diria até amedrontados com efeito dessa multidão que grita e que pode estar atrás de um sujeito com um robô que multiplica isso. Nosso sistema de defesa está muito prejudicado”, afirmou.

O ministro advertiu para as fake news. “Nós devemos estar bastante conscientes de que a nossa função de órgão contramajoritário deve ser enfatizado. Devemos julgar com base nas provas dos autos e não com base nesses alaridos, agora não das ruas, mas das redes sociais.”