Gestoras de FIDC fazem contas e revisam estratégias, de olho na taxa do consignado

O crédito consignado é considerado um dos mais atrativos por agentes de mercado e tem ganhado espaço dentro de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). Mas mudanças – e incertezas – sobre o teto da taxa de juros nesse tipo de empréstimo têm levado a um compasso de espera, com gestores fazendo contas e alguns até adiando ou revisando estratégias na modalidade. Mas a avaliação é que o aumento do teto da taxa, embora insuficiente para associações de bancos, ajudou a voltar a considerar operações, apesar do período de alguma escassez no lado dos originadores.

No início do mês, o Conselho Nacional de Previdência Social aumentou o teto das taxas de juros dos empréstimos consignados do INSS – no qual a parcela é descontada diretamente do benefício – para 1,80% ao mês. A taxa estava parada em 1,66% desde junho, o que vinha sendo alvo de críticas em meio ao patamar elevado da Selic. Em dezembro, inclusive, diversos bancos suspenderam a oferta desse tipo de crédito por estarem com rentabilidade negativa.

“Seja para o mercado de capitais ou para os bancos, o nível da ‘taxa teto’ se provou um grande driver para que continuem a conceder crédito. Isso porque a ‘taxa teto’ implica numa série de descontos até se chegar a uma taxa líquida, que então remunera o capital do banco ou as expectativas de retorno das cotas dos fundos no mercado de capitais”, explica Marcelo Michaluá, presidente executivo (CEO) da RB Asset, que tem o crédito consignado público como uma vertical estratégica. São dois FIDCs e cerca de R$ 1,5 bilhão de patrimônio nessa classe.

Além disso, do ponto de vista do investidor, um ativo com taxa prefixada tem mais risco em um ambiente de mudanças na perspectiva macroeconômica, com revisões de expectativas de inflação e Selic, observa Michaluá. “Então vimos com bons olhos esse ajuste da ‘taxa teto’. A indústria estava fazendo um pleito para que fosse maior, mas pelo menos já teve um aumento. O que precisa agora é ver se a conta fecha: com a nova ‘taxa teto’ ante toda a estrutura, remunerando originação, avaliando a inadimplência, computando custos do fundo”, diz o executivo.

É esse cálculo que tem feito bancos retraírem linhas de crédito consignado. A BYX, fintech que faz a intermediação entre originadores e alocadores de capital, e que tem cerca de R$ 17 bilhões sob monitoramento, observou uma retração de quase 40% nas operações em dezembro. “Do final do ano até semana passada, o mercado praticamente estagnou. Não havia viabilidade econômica para rodar operações de crédito consignado”, diz Fernando Perrelli, presidente executivo (CEO) da BYX. Ele avalia que, para que esse mercado continue crescendo, a ‘taxa teto’ precisa ser novamente revista. No dia 30, há uma reunião do Conselho Nacional de Previdência Social, e a expectativa é que isso seja novamente discutido.

“Não vemos como uma escassez generalizada, mas certamente houve um redirecionamento da oferta. Alguns originadores de crédito podem ter desacelerado a concessão de consignado público devido à redução do retorno. Isso pode ter levado a uma maior seletividade na originação, com preferência por mutuários de melhor perfil de crédito”, avalia Mickael Paolucci, diretor comercial e sócio fundador da Multiplica Crédito e Investimentos.

Com cerca de R$ 15 bilhões, a gestora informa não ter um volume relevante em consignado, mas vê a modalidade como “atrativa”, mas com um “cenário que exige uma análise mais criteriosa”. “Gestoras que estavam planejando entrar no mercado do consignado público podem ter adiado ou revisado suas estratégias devido à necessidade de ajustar suas estruturas de precificação e avaliação de risco. O principal desafio é alinhar a expectativa de retorno dos investidores com as restrições impostas pela taxa teto”, afirma Paolucci.

Por outro lado, a conta das gestoras olha mais para a remuneração dos investidores, uma vez que a estrutura em si é remunerada pela taxa de gestão, observa Michaluá. Na RB Asset, a maior parte da alocação da carteira foi feita no início dos FIDCs, no começo da pandemia, e como o duration é alongado, com contratos de 84 meses, não tem havido grandes movimentações além de aquisições pontuais. Porém, quando o assunto é lançamento de novos fundos, a gestora agora já voltou a sentar para fazer contas e checar a viabilidade da operação. “Estávamos ‘fechados para balanço’, pois a conta não fechava. Agora com a taxa em 1,80%, voltamos a avaliar”, afirma Michaluá, destacando que há interesse do investidor por novos produtos.

Na Reag Asset, que tem aproximadamente R$ 4 bilhões em consignado dentro da gestora e empresas do grupo, o imbróglio sobre o teto da taxa atrasou algumas ofertas que estavam previstas, mas nada que tenha sido “traumático”, brinca o diretor de Produtos, José Perri. “Em alguns meses do ano passado, foi mais difícil originar crédito no mercado. Muitos deixaram de operar pelo custo de funding. Mas agora voltamos a ver uma produção maior de ativos e fluidez no mercado para aquisição [de carteiras]. Com 1,80%, [a operação] ‘para de pé'”, diz Perri, que espera fazer uma nova emissão ainda no primeiro semestre deste ano.