O publicitário Gabriel Lima até pensou em procurar, alguns anos atrás, uma autoescola. Perto dos 30 anos, ele ainda não tinha uma licença para dirigir e, embora nunca tivesse sentido falta, achava que a CNH poderia lhe ser útil de alguma forma — além do fato de ter sido estimulado pelo pai, desde a adolescência, a ter um automóvel. Foi uma ideia rápida, contudo. “Eu logo percebi que dificilmente vou ter um carro. Tanto por opção quanto por necessidade”, diz ele, que hoje depende basicamente de transporte público e de aplicativos para se locomover por São Paulo, cidade onde mora. Já o padeiro Tiago Armani, de 39, chegou a ter a experiência de possuir um veículo próprio, mas desistiu dele há um ano e meio, quando os custos de manutenção começaram a subir e, em paralelo, ele se aproximou de um estilo de vida mais voltado para o uso da bicicleta. “Não fazia mais sentido algum ter uma máquina de uma tonelada na garagem, que poluía tanto, apenas para me carregar”, raciocina. Desde então, circula apenas com as suas bikes, a trabalho ou lazer.

Histórias como a de Gabriel e Tiago são cada vez mais frequentes em um Brasil em que, segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) obtidos por ISTOÉ, os jovens estão perdendo o interesse em dirigir. O número de pessoas de até 30 anos com carteira de habilitação caiu 7% entre julho de 2019 e o mesmo mês deste ano, saindo de uma base de 16,1 milhões de condutores naquele período para 15 milhões agora.

“Logo percebi que dificilmente vou ser dono de um carro, tanto por opção quanto por necessidade” Gabriel Lima, publicitário

Fenômeno mundial

Na faixa etária entre 18 e 24 anos, essa queda é ainda mais significativa (-23%), o que representa uma redução mais de 500 mil novos veículos licenciados nessa idade em dois anos. O fenômeno é ainda mais relevante em centros urbanos, como São Paulo, onde o volume de novos condutores na faixa etária entre 18 e 30 anos registrou uma queda de 10% de 2015 para cá, com base nos números do Detran-SP.

Não é uma realidade exclusiva do Brasil: no Reino Unido, apenas 35% dos jovens entre 17 e 20 anos estavam licenciados para dirigir no ano passado, segundo dados oficiais. Nos Estados Unidos, onde tirar a habilitação é quase um rito de passagem da adolescência para a vida adulta, quatro em cada dez jovens na faixa dos 18 anos não o fizeram ao longo de 2020, de acordo com o departamento federal. Nos anos 1980, ainda no auge da indústria automobilística americana, 80% das pessoas nessa idade já estavam habilitadas a dirigir e, mais do que isso, procuravam um primeiro veículo. Para Fernando Deotti, especialista em mobilidade urbana e CCO da consultoria carioca QWST, esse fenômeno tem muito a ver com os custos de se manter um automóvel, mas também diz muito sobre como as novas gerações têm olhado para as anteriores, que eram mais obsessivas com a ideia do automóvel. “Os jovens de agora, diferentemente daqueles do passado, dão prioridade para investimentos em outras áreas, principalmente a educação, como um curso universitário ou um intercâmbio, por exemplo”, explica ele.

Se não ter um carro é cada vez mais uma opção para essa geração mais nova, as alternativas não deixam de considerá-lo. Gabriel Lima, por exemplo, costuma utilizar aplicativos de transporte, como o Uber, sempre que precisa ir ao mercado ou se deslocar para bairros mais distantes de casa. Tiago Armani não apenas aluga veículos para viagens aos fins de semana como, em algumas situações na cidade, se vale dos serviços por assinatura, em que a cobrança é feita por hora, como o Turbi. “Eu nunca mais terei um carro — e muito porque esses apps dão conta integralmente do que eu preciso”, diz. São práticas que evidenciam uma mudança na utilidade do automóvel, principalmente nas cidades. Segundo Deotti, isso se vê, por exemplo, na transformação profunda do setor automobilístico, em que o “carro popular” perdeu espaço. “O foco hoje está sobre as SUVs e os veículos buscados, justamente, pelos motoristas de aplicativos, que ficaram pressionados”, diz Deotti.

TRABALHO Para o padeiro Tiago Armani, não vale a pena ter uma máquina poluente de uma tonelada na garagem (Crédito:GABRIEL REIS)

Mas há alternativas ganhando fôlego: uma delas é a própria bicicleta, um tipo de veículo barato e limpo que atrai cada vez mais os mais jovens. “Comecei a olhar melhor a cidade pedalando”, diz Armani. Em 2020, em meio à pandemia, as vendas de bikes subiram 50% em relação ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike). Mas a velha caminhada também resiste, principalmente em tempos de home-office. São indícios de um futuro que tende a ser cada vez menos motorizado.