Ser artista é um desafio, mas ser uma mulher artista é realmente um exemplo de coragem. No topo da minha lista de exemplos de inspiração estão nomes como o de Georgia O’Keeffe, uma americana irreverente que viveu 98 anos (1887 – 1986) exatamente como ela desejava: dando pouca importância para a opinião dos outros e chamando a atenção para a sua arte única e diferenciada.

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Com apenas dez anos de idade, Georgia decidiu que seria artista e começou a ter aulas particulares de aquarela com uma professora particular. Foi estudar pintura no School of the Art Institute of Chicago e no Art Students League of New York. Começou a trabalhar como ilustradora em um período que ficou cansada do ensino tradicional, cujo aprendizado se baseava em copiar quadros de mestres da pintura, e sem condições de pagar pela faculdade (seu pai decretou falência e sua mãe teve tuberculose).

Em um curso de verão, conheceu Arthur Wesley Dow, pintor, professor de artes e fotógrafo que criou trabalhos baseados na interpretação de objetos, algo totalmente revolucionário. Seu contato com a filosofia de Arthur causou uma grande mudança na forma como Georgia encarava e produzia arte, refletidos em suas primeiras aquarelas e desenhos a carvão, hoje expostos na Universidade da Virgínia.

Mudou-se sozinha para Nova York em 1918 para trabalhar profissionalmente como artista (imaginem isso na época!). Sua arte chamou a atenção de Alfred Stieglitz, um fotógrafo e comerciante de arte que começou a ajudar na promoção de seu trabalho. Quase 25 aos mais velho que Georgia, Alfred deu o suporte financeiro que ela precisava, arranjou um apartamento para ela e a apresentou a importantes nomes do mundo artístico como Charles Demuth, Arthur Dove, Marsden Hartley, John Marin, Paul Strand e Edward Steichen.

Alfred separou-se de sua mulher para ficar com Georgia em Nova York. Em 1928, ela parou de trabalhar e entrou em uma depressão profunda por causa de um relacionamento extraconjugal de Stieglitz. No verão de 1929, foi para o Novo México para tentar se equilibrar e só voltou a pintar em 1934. Com a morte do marido (1946), mudou-se definitivamente para Albuquerque e, depois, para Santa Fé.

Georgia O’Keeffe é considerada a “mãe” do modernismo dos Estados Unidos. Desempenhou um papel importante no desenvolvimento da arte moderna, tornando-se a primeira pintora mulher a ganhar respeito no mundo da arte de Nova York na década de 1920. A sua forma única e nova de pintar a natureza, simplificando as suas formas e formas, fez com que fosse considerada uma pioneira. Começou pintando os arranha-céus de Nova Iorque a partir da janela de seu quarto, localizado no trigésimo andar do Shelton Hotel. Depois, registrou as paisagens do deserto do Novo México e diversos detalhes de flores, que são comparados a representações da genitália feminina. Suas realizações, como as flores, ossos, pedras, crânios e pélvis, são notáveis quando vistas no contexto da luta que ela travou entre as exigências rigorosas do amor e do trabalho.

Ela se apaixonou pela dramática paisagem do deserto com suas montanhas escarpadas. Dizia que tudo no Novo México era diferente – a paisagem, o céu, as estrelas e o vento. Suas pinturas de deserto coincidiram com o interesse dos americanos por algo diferente e por uma visão distinta da nação. Georgia não queria apenas mostrar a aparência de algo, mas usava cores, formas e marcas de pinceis de maneiras inesperadas para expressar diferentes significados, ideias e sentimentos, em uma combinação perfeita entre os estilos abstrato e realista.

Embora muitas vezes seja elogiada como uma artista feminista, O’Keeffe rejeitava o título e toda e qualquer conotação de gênero, pedindo simplesmente para ser chamada de “artista” (o que, de forma indireta, era uma afirmação feminista em si). Apesar dessa discrepância, o legado de O’Keeffe é a semente da mulher americana moderna. Mais do que apenas o trabalho que criou, O’Keeffe criou uma imagem pública que parecia totalmente nova para a época. Ela tinha uma presença que chamava atenção de uma forma que nenhum fotógrafo – nem mesmo Stieglitz – poderia alterar. Ela sempre foi autêntica. Jamais especulações sobre o futuro ou sobre o que desejava ser: ela simplesmente era. De alguma forma, essa coragem de ser ela mesma permanece como uma ideia moderna até os dias de hoje (e, inclusive, inatingível para muitos artistas e mulheres).

Na década de 1950, O’Keeffe começou a viajar internacionalmente em busca de lugares especiais para suas pinturas, como os picos das montanhas do Peru e o Monte Fuji, no Japão. Depois, mesmo com sua visão deficiente, não deixou de pintar. Recorria a assistentes para continuar criando arte. Em 1973, contratou um jovem ceramista de 27 anos, Juan Hamilton, que trabalhou com ela por mais de treze anos como seu assistente e guardião, chegando a registrar suas memórias em uma autobiografia. Em seu testamento, deixou para ele 76 milhões de dólares.

Nas minhas viagens de arte e em busca de museus diferentes, tive a enorme alegria de conhecer Santa Fé, uma cidade americana no meio do deserto, famosa por ter como moradora O’Keeffe em grande parte de sua vida. Hoje é um dos locais mais interessantes para criações artísticas nos Estados Unidos, celeiro de jovens artistas que abastecem as celebridades de Hollywood com muita arte.

Em Santa Fé fica o museu em homenagem à artista. Quem quiser conhecer mais de sua história pode, sem sair de casa, visitar a coleção com cerca de 150 pinturas, centenas de trabalhos em papel (desenhos a lápis e carvão, bem como tons pastéis e aquarelas), bens pessoais e um significativo arquivo de fotos. Georgia O’Keeffe era tão revolucionária que às vezes ela mesmo se questionava: “será que sou uma lunática delirante por tentar fazer essas coisas?”

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