A invasão da Ucrânia provocou uma onda de repúdio, mas ao mesmo tempo revelou o apoio a Vladimir Putin em vários setores. Seu ataque despertou a nostalgia comunista na velha esquerda, que comemora a volta do chauvinismo russo. Mas não só. Antes disso, o ex-agente da KGB havia atacado democracias liberais, interferindo nas eleições americanas com ciberataques que deram o poder a Donald Trump. Além dele, populistas de direita eram grandes aliados de Putin: Matteo Salvini (Itália), Marine Le Pen (França), Nigel Farage (Reino Unido), Viktor Orbán (Hungria) e Bolsonaro.

Portanto, não é apenas a esquerda que suspira com o desfile de tanques russos. Mas foi ela que encontrou na guerra uma nova oportunidade para atacar os EUA e defender uma “nova ordem mundial”, mesmo sobre o cadáver de ucranianos inocentes. Putin era membro da KGB, lamenta a ruína soviética (uma das justificativas para sua ação), mas não é comunista, por óbvio. Mas seu regime de clepto-oligarcas atrai admiradores dos extremos políticos.

George Orwell (1903-1950) não conheceu a atual geração de autocratas russos, mas entendia de ditaduras, imperialismo, manipulação da informação e hipocrisia de políticos. O terror imposto por Stálin nos anos 1930, que levou à morte até 3 milhões de ucranianos por inanição, foi a inspiração para “A Revolução dos Bichos”. Na época, a esquerda silenciou sobre o massacre em nome de uma causa maior – como agora.

O autor de “1984”, que entendia de ditaduras, imperialismo e manipulação da informação, não se surpreenderia com as mentiras de Vladimir Putin

Odiado pela direita e pela esquerda, Orwell mostrava integridade e honestidade intelectual. Prevaleceu ao expor as falácias que moviam falsos democratas. Desmascarou simulacros que parecem se renovar com o tempo. Por exemplo, na propaganda russa, Putin não está atacando, mas apenas se defendendo. Comentaristas pelo mundo quase culpam os próprios ucranianos por “resistirem” aos invasores. Ou condenam a OTAN por ter se expandido na antiga Cortina de Ferro (os países do Leste da Europa deveriam voltar ao jugo soviético?).

O líder russo eliminou a imprensa livre e está revivendo as perseguições a opositores num nível que não era visto desde a perestroika. Jornalistas e escritores são convidados a praticar a autocensura. Mas, enquanto o mundo se une contra o irredentismo anacrônico, artistas como Oliver Stone reafirmam a admiração ao novo czar. O autor de “1984”, que cunhou a expressão “Guerra Fria”, desconfiava dos EUA e antecipou o conceito de União Europeia, se surpreenderia com a evolução do duplipensar na era da Internet.