Mestre dos instrumentos de sopro, Pixinguinha sentia a música de forma tão vital como sentia o ar – um elemento a ser respirado 24 horas por dia. Talentoso maestro, saxofonista e flautista, viveu para escrever milhares de canções, arranjos e partituras, o que faz dele o detentor do mais prolixo fluxo criativo da história da música brasileira. Compor era tão natural para Alfredo da Rocha Vianna Filho que ele fazia isso até em situações adversas. Em uma ocasião, após ficar duas semanas internado, saiu do hospital com 17 músicas novas. Foram tantas composições que ele não teve tempo de gravá-las integralmente – muitas permaneceram nos baús da lendária Casa de Ramos, na zona norte do Rio de Janeiro, onde morou grande parte da vida.

PARCERIA Henrique Cazes e Marcelo Vianna: projeto celebra 125 anos de Pixinguinha (Crédito:Divulgação)

Após sua morte, em 17 de fevereiro de 1973, aos 75 anos, esse tesouro ficou sob a gerência de seu filho, Alfredinho Vianna. No final da década de 1990, o material foi integrado ao acervo do Instituto Moreira Salles (IMS), onde foi digitalizado, catalogado e certificado. Alfredinho morreu em 2003, mas o sonho de ver as canções inéditas de Pixinguinha ganharem vida permaneceu em sua família. Em 2022, 125 anos após o nascimento do maestro, um projeto com direção artística de seu neto, Marcelo Vianna, vai abrir os arquivos da Casa de Ramos para o mundo. “Cresci ouvindo meu pai falar sobre o material que meu avô tinha deixado. Esses baús continham fotos, discos e documentos, mas havia também uma seção separada para as composições inéditas. Era ali que meu avô guardava as partituras que não sobrava tempo para gravar”, lembra Vianna.

“Seus arranjos deveriam ser o ponto de partida para todos os músicos brasileiros” Henrique Cazes, pesquisador

Graças ao músico e pesquisador Henrique Cazes, uma pequena parte desse material já viu a luz do dia. Diretor da Orquestra Pixinguinha, ele vasculha esse acervo inédito desde 1989. “Seus arranjos deveriam ser o ponto de partida para todos os músicos brasileiros”, afirma. Amigo de Alfredinho, aliou-se a Marcelo Vianna e ambos incorporaram uma fração desse repertório à turnê Pixinguinha Como Nunca, que já passou por São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A nata da coleção inédita, no entanto, está sendo guardada a sete chaves para uma ocasião especial: a homenagem aos 50 anos da morte de Pixinguinha, em fevereiro de 2023.

A gravação ocorre em estúdio pelo sexteto formado por Cazes (cavaquinho), Carlos Malta (flauta e saxofone), Silvério Pontes (trumpete), Marcelo Caldi (sanfona), Marcos Suzano (percussão) e João Camarero (violão de sete cordas). Dali sairão cerca de 50 canções, que serão divididas em quatro discos, de acordo com o estilo musical. O primeiro, Na Roda, traz choros mais lentos, que exaltam um lado mais romântico. Virtuose tem como destaque o lado instrumental do músico, com frases rápidas e melodias complexas. Para quem conhece sua obra, o álbum mais interessante deve ser o Internacional, cujo conteúdo traz influências de ritmos que vão muito além da esfera da música brasileira, como o ragtime, a mazurca e o tango. Completa a lista o álbum Canção, cujas harmonias ganharão letras escritas por grandes nomes da MPB atual. Nei Lopes criou os refrões de Me Leva, Neném; Arnaldo Antunes escreveu os versos do tango Poética; Eduardo Gudin ficou responsável pela letra do samba-canção Modo de Olhar. Paulinho da Viola deve colaborar com Para não te Esquecer; Gilberto Gil, com Cafezal em Flor. “Os eixos musicais surgiram naturalmente a partir da análise das partituras. O maestro deixou tudo anotado, planos e intenções”, afirma Cazes. Para ele, dar vida a esse material não é apenas uma honra, mas uma missão. “Temos orgulho do Pixinguinha como Nunca, porque prova que ele era genial como sempre.”

Homenagem nas telas

ÍDOLO Seu Jorge, como Pixinguinha: “o primeiro a mostrar a música brasileira no exterior” (Crédito:Divulgação)

Dirigido por Denise Saraceni e escrito por Manoela Dias, Pixinguinha – Um Homem Carinhoso está nos cinemas para celebrar os 125 anos do maestro. Com Seu Jorge como protagonista e Taís Araújo no papel de Beti, mulher do maestro, o filme conta a vida do gênio desde a infância, quando se destacou mesmo sendo o filho mais novo entre 13 irmãos, todos músicos. Começou a carreira como flautista dos Oito Batutas, grupo que chegou a se apresentar na França em 1922. “Muitos artistas que ganharam o mundo saíram com a intenção de mostrar uma música genuinamente do nosso País. Pixinguinha foi o primeiro”, diz Seu Jorge. O filme conta ainda a origem de Carinhoso, seu maior sucesso, canção considerada um segundo hino brasileiro. Até na despedida Pixinguinha foi artista: morreu em 1973 em pleno carnaval, no Rio de Janeiro, durante a passagem da Banda de Ipanema.