As irmãs gêmeas Ana e Helena Mees, de 16 anos, lideram uma nova geração do atletismo brasileiro. Com títulos nacionais e internacionais, as jovens de Campina Grande do Sul (PR), se preparam para defender o País no maior desafio que vão ter na carreira: os Jogos Mundiais Escolares, conhecidos com Gymnasiade, em maio, na França.

Na Europa, elas terão a companhia de jovens expoentes da modalidade lutando por pódio e índices, que poderão auxiliar na conquista de vaga para os Jogos Olímpicos de Paris, em 2024.

As gêmeas corredoras embarcam para Caen, na Normandia, no dia 14, e por lá ficam até o dia 22. Ana disputará a prova dos 1.500 metros e Helena competirá nos 3.000 metros. Para alcançar este degrau, as gêmeas batalharam e fizeram da carreira no atletismo a grande prioridade de suas vidas. Ao lado do pai, Anderlin Jr., que se dedica integralmente à atividade das filhas, Ana e Helena contaram ao Estadão as suas trajetórias, revelando expectativas para o futuro e explicando a rotina que as levou ao topo.

A família conta que, quando as garotas tinham entre seis e sete anos, foram a uma loja de eletrodomésticos. Ana se perdeu dos pais por alguns instantes e ficou assistindo a uma televisão que exibia uma prova de maratona. Foi o primeiro instinto para se aproximar do esporte. Ana pediu aos pais: “Quero fazer isso, quero ser como elas”. Ali começou a paixão pelas corridas. Helena seguiu os passos da irmã. As gêmeas correm e treinam juntas, sem deixar que a competitividade atrapalhe a relação entre ambas.

Atualmente, vão aos mesmos eventos, mas não coincidem em todas as provas. As características musculares de cada uma definiram quem seria fundista e meio-fundista.

“Falamos com nosso pai: ‘Queremos ser corredoras’, e então começamos a pesquisar sobre o tema”, conta Helena. Anderlin foi atrás do sonho das meninas. “Não entendia nada de corrida, precisava entender o mecanismo. Comecei a pesquisar sobre provas infantis, quais eram os treinamentos e cuidados. Consegui algumas coisas, com sites governamentais, com cartilhas de orientação sobre treinamentos com crianças. Comprei alguns equipamentos. Naquela época, vivíamos em Garopaba (SC) e corríamos na praia.”

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Aos oito anos, Ana e Helena contaram com uma ajuda fundamental. Moacir Marconi, o Coquinho – responsável por treinar diversos quenianos ganhadores da São Silvestre -, recepcionou as gêmeas em seu centro de treinamento, em Nova Santa Bárbara, norte do Paraná. Elas puderam acompanhar toda a rotina de treinos e ganharam elogios.

Neste início, participavam de algumas corridas do estilo “trail”, nas dunas do litoral catarinense. Os resultados chamavam a atenção e começaram a surgir apoios, como o de Rosane Machado, que passou treinamentos online para elas e ajudou a melhorar o ritmo.

No início da carreira, as gêmeas só praticavam a corrida duas vezes por semana. Agora Ana e Helena dedicam cerca de seis horas diárias ao atletismo, com apenas um dia de folga. Acordam às 4h30, fazem a rodagem – treino mais leve – no Parque Barigui, em Curitiba, onde residem atualmente. Depois, vestem o uniforme escolar no carro, vão para o colégio e à tarde têm nova rodada de atividades: musculação, fisioterapia e treino numa pista de saibro em São José dos Pinhais ou na de borracha da Universidade Federal do Paraná.

“Estamos focadas na conquista de melhores tempos, mas há dias em que essa condição varia um pouco, vai intercalando. Nesta semana, por exemplo, estamos nos dedicando aos treinos de força e velocidade”, diz Ana, que foi campeã brasileira sub-20 (1.500m), em São Paulo, no último fim de semana, e tem pela frente os Jogos Sul-Americanos da Juventude Sub-18, em Rosario, na Argentina, enquanto Helena se recupera de uma pequena lesão no pé.

CABEÇA BOA

“Mens sana in corpore sano” é uma frase em latim, que significa “Mente sã em corpo são”. Ela é atribuída ao poeta romano Juvenal e comumente usada no meio esportivo para relacionar a importância da saúde mental para uma boa performance esportiva. A família Mees trata da questão mental como uma peça importante na trajetória de Ana e Helena.

“Nós temos uma psicóloga, a Joice Custódio, que já atuou nas categorias de base do Athletico-PR e sempre está conosco, fazendo um trabalho no dia a dia e nas provas, com foco, concentração e superação das dificuldades”, diz Helena. As gêmeas também são acompanhadas por médicos cardiologista, fisioterapeuta, nutricionista e a treinadora Dione D’Agostini. Todos apostam nelas e não cobram pelos serviços prestados.

INSPIRAÇÃO

Ana e Helena concordam que o jamaicano Usain Bolt é a grande inspiração para sua carreira no atletismo. O nadador Michael Phelps, Simone Biles e o maratonista Eliud Kipchoge são outros nomes lembrados pelas gêmeas. A escolha por esses atletas não esconde a obsessão por uma medalha olímpica. Juntos, os quatro possuem 47 pódios em Olimpíadas.

As tenistas americanas Serena e Venus Williams de alguma maneira também cruzam a vida das gêmeas corredoras. O pai das garotas está produzindo um livro para contar a trajetória e construção da carreira de Ana e Helena. Curiosamente, a obra tem nome semelhante ao do filme sobre as irmãs tenistas, que foi traduzido para o português como “King Richards: Criando Campeãs”. A cinebiografia foi premiada no Oscar e levou Will Smith a ganhar sua primeira estatueta de melhor ator.

“Criando vencedores” foi assim intitulado antes mesmo do lançamento do filme. Nele, Anderlin Junior traz detalhes sobre a formação das garotas. O texto, em estilo de crônica, conta com diferentes fatos do cotidiano da família para explicar tomadas de decisão, desafios e acontecimentos. Ainda em fase de revisão, o material pretende ajudar outras famílias a colaborar com os filhos que querem dar os primeiros passos no mundo do esporte. “Quero criar um ambiente digital, que as pessoas possam acessar o livro por meio de uma espécie de doação, que auxilie no financiamento da carreira das meninas”, elucida o pai de Ana e Helena.


As jovens contam atualmente com um único patrocinador e estão buscando captar recursos com algumas empresas do Paraná para contribuir com a viagem à França no próximo mês. Anderlin Junior é jornalista de formação e, em uma dessas empreitadas, intermediadas pelo amigo Mauri César Pereira, conseguiu um apoio de R$ 2 mil em troca de uma palestra que ele dará aos funcionários de uma empresa, ao lado das filhas. Pelos títulos conquistados, Ana e Helena têm direito ao Bolsa Atleta, da lei de incentivo ao esporte, de R$ 1.850,00 e R$ 925,00, respectivamente.

“Faz todo o sentido contar a história das meninas para estimularmos o esporte no Brasil. Sabemos que há muitos atletas que sofrem para ir às competições. Muitas vezes, a família não tem condição financeira. Duvido que, se as pessoas soubessem, não dariam qualquer ajuda”, avalia Anderlin. Às sextas-feiras, as gêmeas também dão uma aula de iniciação ao atletismo, de 30 minutos, para crianças em uma escola da capital paranaense e recebem a quantia simbólica de R$ 50,00.

A dedicação ao atletismo não tira Ana e Helena de terem bom desempenho em sala de aula. Elas estudam no Colégio Estadual do Paraná e tiram ótimas notas invariavelmente. O esporte, de uma maneira ou de outra, ajuda as irmãs a terem altos níveis de concentração nas disciplinas. “O colégio sempre nos ajuda a solucionar problemas causados pela agenda lotada, mudando cronogramas para podermos entregar tudo certinho e sem perder nota”, diz Helena.

A família tem atuação fundamental na solidificação da carreira das meninas. Elas fazem questão de engrandecer o papel da mãe Daniele e dos avós Heitor e Sonia. Todos vivem juntos na mesma casa em Pinhais e dão enorme apoio para Ana e Helena. As gêmeas corredoras não são inspiração apenas para jovens, mas para todos os que querem ver o País prosperar no esporte. A dedicação impede que haja descrença em um futuro com pódios e medalhas no atletismo.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias