Confrontos mortais e semanas de protestos em Gaza colocaram a questão palestina no topo da agenda internacional. É difícil saber se o efeito será duradouro, enquanto todos os ingredientes de um novo confronto com Israel estão reunidos.

Seis semanas de mobilização contra o bloqueio israelense e pelo direito dos palestinos de retornar às terras de onde fugiram, ou foram expulsos, na criação de Israel em 1948 terminaram, teoricamente, na terça-feira.

Desde 30 de março, 116 palestinos, incluindo vários menores de idade, foram mortos, quase todos por tiros israelenses.

A reivindicação do “direito de retorno” se somou, na segunda-feira, ao protesto contra a inauguração da embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém.

O ato, apresentado pelo governo de Donald Trump como um sucesso, e as imagens da filha do presidente americano sorridente em frente à embaixada contrastaram com àquelas de palestinos retirando seus mortos em meio a muita fumaça e confusão.

O Exército israelense assegura que essas semanas de agitação serviram de cobertura para o movimento islâmico Hamas, que governa o enclave, para tentar atacar Israel.

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– A escolha de Israel –

Na terça-feira, foram registrados apenas alguns confrontos esporádicos entre soldados israelenses e manifestantes em Gaza. Na quinta-feira, começa o Ramadã.

Perto da barreira que o separa de Israel, Mutassim Hajjaj, de 26 anos, mostra vídeos de suas tentativas de atravessar a cerca na segunda-feira. Ele se diz satisfeito de ter, a distância, perturbado a festa americana.

“Esta é uma vitória para nós. O povo palestino trouxe à tona a questão do direito do retorno”, disse ele.

Em diferentes capitais, as repercussões diplomáticas se limitaram, porém, à convocação de diplomatas israelenses, expressões de reprovação e pedidos de contenção. As já difíceis relações com a Turquia voltaram a se deteriorar acentuadamente.

Mas Israel pode contar com o apoio inabalável dos Estados Unidos, que vetaram uma resolução do Conselho de Segurança pedindo uma investigação independente.

Para Mukhaimer Abu Saada, professor de Ciência Política na Universidade Al-Azhar, em Gaza, o Hamas espera que a situação force Israel a aliviar o bloqueio do território, e o Egito a abrir sua fronteira com mais frequência.

“Sob pressão internacional, Israel será forçado a encontrar uma solução para a situação humanitária que continua se deteriorando em Gaza”, diz o acadêmico.

Um cenário que Israel, liderado pelo governo mais à direita de sua história, tentará evitar a todo custo, aponta Mark Heller, pesquisador do Instituto de Estudos sobre Segurança Nacional da Universidade de Tel Aviv.

– ‘Bandeira branca’ –

“O governo israelense, apesar das vozes que se levantarem para defender a redução do bloqueio, não fará nada, porque considera que o Hamas não pode ser um parceiro para a paz”, ressalta.


Desde 2008, Israel travou três guerras com o Hamas que destruíram Gaza, embora tenham tido impacto limitado no Estado judeu.

Nas últimas semanas, o Hamas adotou um tom menos belicoso, alegando apoiar as manifestações pacíficas. De fato, os membros dos grupos armados palestinos não pegaram em armas.

Oficialmente, os protestos deveriam terminar na terça-feira, mas os líderes do Hamas disseram que continuariam de outras maneiras.

“Talvez vejamos algum alívio do bloqueio, mas, para as famílias que perderam seus filhos, será uma grande decepção”, acredita Reham Owda, analista política em Gaza.

Especialistas dizem que o Hamas, enfraquecido pelo último conflito de 2014 e isolado, não busca uma nova guerra com Israel, ciente do impacto devastador que isso teria sobre os moradores de Gaza.

Os dois milhões de habitantes do enclave palestino já estão lutando contra a pobreza, o desemprego, a escassez e o confinamento.

Mas o Hamas “também não pode agitar a bandeira branca”, observa Mark Heller. “Haverá novos confrontos, mais cedo, ou mais tarde, é inevitável”, completou.

Há semanas, drones israelenses lançam gás lacrimogêneo na multidão, sem que os palestinos respondessem. Na terça-feira à noite, porém, homens à paisana atiraram e abateram um drone. “Vitória!”, gritou um deles.


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