“Entre as iguarias, é possível citar as charcutarias, os chucrutes e os queijos servidos nas Brauereien (cervejarias) alemãs, austríacas ou alsacianas; as tapas servidas nas bodegas espanholas, os pratinhos com azeite; as carnes temperadas e os diferentes tira-gostos das tabernas e tascas francesas.” Já no final do século XVIII, as entradas reinavam nos primeiros restaurantes, como consta no trecho citado por Jean-Robert Pitte, no livro História da Alimentação. Quase 300 anos depois, o ato de petiscar segue vivo ao redor do mundo, adaptado às diferentes culturas, disponibilidade de ingredientes e hábitos alimentares.

No Oriente Médio, os mezzes agregam pães, pastas e azeitonas.
Na Itália, bolinhos de risoto, embutidos e vegetais, como alcachofra e berinjela, reforçam a “desculpa para reunir amigos e familiares em torno da mesa”, nas palavras do chef Mauro Ferrari, do Arancino Bar, em São Paulo.
No Japão, os bares conhecidos como izakayas são espaços para degustar aperitivos, como conservas de pescado, verduras e legumes, na companhia de bebidas.
Da cultura brasileira de boteco não faltam representantes: bolinhos, bolovos, pastéis, além de fígado, moela e jiló, dependendo da região.

A variedade de pratos e histórias para iniciar as refeições é tão grande que existe até dia e evento dedicado ao tema. Em 16 de junho se comemora o Dia Mundial da Tapa e, durante o mês, o 2o Festival de Tapas promovido pela Turespaña ocorre em 25 estabelecimentos de diversas culinárias em São Paulo.

Gastronomia: tapas espanholas ganham evento para celebrar cultura do petisco
Variedade: tempurá de shissô (folha asiática), tartar de atum e foie gras harmoniza com vinho, no Miya (Crédito:Rogerio Cassimiro)
Gastronomia: tapas espanholas ganham evento para celebrar cultura do petisco
Releitura: a clássica lula à dorê com tomate frito, abacate e pó de pimentão, no De Primeira (Crédito:Helena Rubano)
Gastronomia: tapas espanholas ganham evento para celebrar cultura do petisco
Além do bolinho: polenta frita com bochecha de porco e tomates confitados, no Arancino Bar (Crédito:Divulgação )

Muitas línguas

Como em volta de toda criação, não faltam histórias sobre a origem das tapas espanholas. Tendo surgido com o rei castelhano que queria “tapar” os efeitos do álcool ou com as esposas que no retorno dos maridos da guerra também tinham a intenção de aplacar a euforia etílica, as tapas se tornaram marca do país ibérico.

Não só lá, como cá, o ato de se alimentar de pequenas porções foi ganhando verbos e expressões próprias. “Petiscar resume o nosso povo: pessoas cheias de carisma, alegres e com vontade de compartilhar risadas e lembranças ao redor da mesa cheia”, diz Gabriel Coelho, chef do bar paulistano com alma carioca De Primeira.

Assim como petiscar está no dicionário da língua portuguesa, “ir de tapas” significa trocar de bares degustando petiscos com os amigos na Espanha. “Tem coisa mais legal do que quando você faz uma mesa de aperitivos e as pessoas transitam por ela a noite toda, comendo aos poucos e provando de tudo?”, diz o chef Juliano Valese. “O mais bacana da cultura do ‘tapear’ é a inclusão e o compartilhamento, o comer com as mãos. Os petiscos levam à união das pessoas.”

No restaurante Torero Valese, na capital paulista, ele mantém opções clássicas, como croquetas, pan tomaca e tortilla de batata, mas também inova. É o caso do sanduíche elaborado para o festival, que mistura o Mediterrâneo com a Ásia: o bocadillo de milanesa de atum, sunomono de pepino, maionese de wasabi (raiz forte) e tomaca — mistura de tomate ralado, azeite, alho e sal da culinária espanhola.

As adaptações dos tira gostos são comuns e se dão por gosto, possibilidade e criatividade.

O chef Ferran Adrià – um dos maiores nomes da área e idealizador da gastronomia molecular – chegou a abrir um bar dedicado às tapas na Espanha, em que servia até ceviche, prato de origem peruana.

Também na linha autoral, o chef Flávio Miyamura mantém um cardápio amplo e diversificado de itens para compartilhar no bar de vinhos Miya, em São Paulo. “Nossa seção de entradas é bem maior que a dos pratos principais. A ideia é que a pessoa escolha uma entrada com uma taça de vinho, depois vá para outra e tome novo rótulo que harmonize perfeitamente.” Há petisco de todas as culturas e para todos os gostos.