Longe do linguado, badejo e cação, cada vez mais profissionais da cozinha investem em peixes considerados pouco convencionais. Não há nomenclatura oficial que os coloque em um grupo específico, mas basta se deparar com termos como guaivira, carapeba, cioba e ubarana para saber que se trata de algo incomum. Os benefícios são muitos, segundo os cozinheiros. Ganha-se em:
sabor,
versatilidade,
custo-benefício,
valorização dos trabalhadores,
e abundância.

Hoje, 80% do pescado que chega a um fornecedor do Guarujá (SP), por exemplo, é dos menos convencionais, enquanto 20% é composto pelos mais consumidos.

O chef Dário Costa é um dos entusiastas das espécies em seus restaurantes espalhados por São Paulo e Santos (SP), e Fernando de Noronha (PE). “Colocar uma roupa comercial no produto faz a diferença. É preciso pensar nas técnicas, no preparo, na apresentação, seja no sanduíche de peixe frito, seja no crudo”, diz.

Com o Açougue do Mar e o Paru no mezanino do Mercado de Peixe de Santos, ele observou a movimentação no andar de baixo conforme incluía as variedades nas operações. “Acabei de ver um roncador em uma banca, coisa que eu nunca tinha visto. Hoje os vendedores até divulgam essas espécies nas redes sociais”, disse à ISTOÉ.

A aversão ainda existe e está pautada em tamanho, aspecto visual e sabor. “As pessoas procuram peixe sem gosto de peixe. Colocá-los em receitas que pedem mais tempero, processo de cura ou combinações específicas é a chave. A barreira existe, mas cabe aos cozinheiros testar e descobrir o melhor caminho para exaltá-los”, diz o filho de mergulhador, que se surpreendeu ao ver o peixe cabrinha de sua infância caiçara sendo valorizada em restaurantes italianos quando lá trabalhou.

“É urgente a compreensão do valor nutricional, gastronômico e econômico de outras espécies.”
Caco Marinho, presidente do Instituto Ori

Também em contato com o mar desde criança, tendo convivido com pescadores dos 8 aos 18 anos no Píer Iemanjá, em Vitória (ES), Gerônimo Athuel se dedica à pesquisa de técnicas de conservação e maturação de peixes e frutos do mar. “O principal desafio é conscientizar o pescador e educar o consumidor. Passar informações sobre o produto, explicar as características e criar oportunidades para que o cliente se encoraje a provar essas espécies”, diz.

Nas duas unidades do restaurante no Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca e no Leblon, os peixes ficam expostos nas câmaras de maturação. “Isso aproxima o cliente do produto”, diz Athuel, que teve parceria da Universidade Federal Fluminense. “A UFF nos ajudou com mapeamento de fornecedores e informações sobre espécies da costa, leis e normas, e abriu nossa mente para entender o peixe antes de chegar à cozinha.”

Outro olhar: temaki de guaivira com coalhada é entrada do Madê, em Santos (SP) (Crédito:Divulgação )
Inteiro: faqueco desossado e maturado com aioli de salsa do Ocyá, no Rio de Janeiro (RJ)
Em sua potência: xaréu com azeite e creme de wasabi do Cepa, em São Paulo (SP) (Crédito:Divulgação )

Além do salmão

Longe do mar, fornecedores como Marisco e Mar Direto são responsáveis por abastecer pólos gastronômicos como São Paulo. O segundo tem à frente Cauê Tessuto, que não só incentiva o uso do pescado variado, como o de diferentes cortes.

O chef Adriano de Laurentiis, do Cais, ficou conhecido por levar ao prato nadadeiras e espécies como pitangola e xaréu branco em versão crua.

Às vezes, é dar outro olhar ao que já é conhecido. É o caso do bonito transformado na conserva katsuobushi e as ovas de tainha secas (a bottarga) do Projeto A.MAR, em Ilhabela (SP). Sororoca e Cepa são outros estabelecimentos da capital paulista empenhados em oferecer as opções, seja em pratos do dia ou no peixe inteiro na brasa.

Sem desperdício: maturação permite ao chef Gerônimo Athuel conservar peixes com máximo sabor e textura (Crédito:Divulgação )

A valorização de espécies locais afeta positivamente a vida dos que têm no mar o seu sustento. Em Salvador (BA), marisqueiras e pescadores da Aliança Kirimurê chegam a ter a renda aumentada em 600%, graças ao grupo produtivo que facilita a venda de mariscos como chumbinho e sarnambi, e peixes como o massambê, o mais abundante na Baía de Todos os Santos.

“Faz-se urgente a compreensão, ao olhar do consumidor das cidades grandes, do valor nutricional, gastronômico e econômico das outras espécies, o que só será possível com uma revisão da cultura de consumo vigente”, diz o chef Caco Marinho, presidente do Instituto Ori, parceiro da Aliança.

Na capital baiana, chefs como Fabrício Lemos, do Grupo Origem, e Dante e Kafe Bassi, do restaurante Manga, utilizam esses produtos. “Não pode ser ‘música de uma nota só’. É o poder real do que chamamos de biodiversidade”, diz Marinho.