Gaslighting: embora não tenha tradução para o português, o termo já é amplamente reconhecido nas redes sociais e entre profissionais da saúde mental. Trata-se de uma forma de abuso psicológico na qual, por meio de manipulações, uma pessoa faz com que a outra questione sua realidade, acreditando estar “louca”.

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A palavra deriva do título do filme Gaslight (À Meia-Luz), de 1944. No enredo, um marido manipula sua esposa a pensar que está perdendo a sanidade para submetê-la aos cuidados de uma instituição de saúde mental e roubar sua herança. 

“Para conseguir o que desejam, indivíduos com perfis manipuladores mentem, humilham, inventam informações e até se vitimizam, usando discursos capazes de gerar muita culpa. Eles também distorcem os fatos e podem fazer chantagens e ameaças”, explica a neuropsicóloga especialista em demandas relacionadas à autoestima e relacionamentos Fernanda Nogueira. 

 

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No entanto, diferentemente do filme que deu nome à prática, os exemplos da vida real podem ser mais sutis. Para Carol Bugari, psicóloga pós-graduada em Psicologia Junguiana e autora do livro digital “Casamento em crise?”, um grande obstáculo no processo de identificação dessa violência emocional é o histórico familiar da vítima.

“Muitas pessoas que estão inseridas nessa dinâmica destrutiva aprenderam que ‘amar também é sofrer’, ou que ‘o amor também agride’. Normalmente, são pessoas que já vivenciaram a violência doméstica na família e acreditam que isso seja ‘normal’”, relata a especialista à IstoÉ.

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Como identificar o gaslighting

casal brigando, gaslighting
Freepik

Para as especialistas, a manipulação psicológica pode ser extremamente sutil e difícil de identificar. Contudo, sinais clássicos comumente incluem:

Distorção de fatos

Para manter sua posição de poder, o(a) manipulador(a) faz com que a vítima questione sua própria percepção da realidade. Para fazer isso, ele(a) diz coisas como “eu nunca disse isso, você entendeu tudo errado”, após um desentendimento, ou até mesmo “você acha que eu estou te agredindo? Se eu realmente quisesse te bater, seria muito pior”, após uma eventual agressão física.

“Mesmo diante de provas, você vai ouvir que aquilo não aconteceu, que você está louca”, detalha Fernanda.

Chantagens e ameaças

O(a) manipulador(a) chantageia sua vítima para que ela faça apenas o que ele(a) deseja. São comuns frases como: “Vou ficar muito bravo(a) se você for a esse lugar” ou “se você me ama, faça isso”.

Além disso, ele(a) faz questão de lembrar o que pode acontecer com sua vítima caso seja contrariado(a).

Culpabilização da vítima

Quem pratica gaslighting não costuma assumir seus erros, e sim culpar sua vítima por eles. “Fiz isso porque você me faz perder a cabeça” é um exemplo clássico de manipulação. É comum, ainda, que ele(a) envolva terceiros a fim de validar seus argumentos, dizendo algo como: “bem que tal pessoa me avisou que você era assim!”

Controle

O(a) abusador(a) descobre as fraquezas de sua vítima e utiliza-as contra ela, invalidando sua aparência e/ou sua personalidade. Dessa forma, a vítima se torna dependente daquela toxicidade e fica sob total controle da outra pessoa, acreditando não ser boa o suficiente para sair daquele relacionamento.

“A sua autoestima também vai sendo destruída, o que consequentemente afeta o seu senso de merecimento”, explica Fernanda. Além disso, é comum que quem sofre com o gaslighting deva avisar cada um de seus passos ao(à) manipulador(a), sob o pretexto de uma falsa preocupação. Os(as) abusadores(as) explicitam que tais atitudes são tomadas “em nome do amor”, jamais admitindo uma agressão emocional.

Além disso, vale ressaltar que pessoas mais vulneráveis a esse tipo de relacionamento são as que sofrem com algum tipo de insegurança e que já têm baixa autoestima. “É como se o ladrão enxergasse quem seria mais fácil de ser assaltada”, metaforiza Carol.

Nesse sentido, as especialistas destacam que, além das relações românticas, o gaslighting pode acontecer em outros contextos: com amizades, no ambiente religioso e até mesmo no trabalho.

Consequências do gaslighting para a saúde mental

A perda da autoestima é um reflexo marcante em vítimas de gaslighting. Segundo Fernanda, ser submetida ao abuso psicológico pode não só afetar negativamente a visão que a vítima tem de si, mas fazer com que ela reprima seus sentimentos e acumule raiva e tristeza.

Carol alerta, ainda, que a prática pode ocasionar transtornos psicológicos como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.

Como se livrar de um relacionamento abusivo

Para as especialistas, a dificuldade de se livrar de um relacionamento abusivo pode residir na falta de autoestima. “A vítima está tão envolvida nesse relacionamento que acaba abrindo mão de quem ela é. É como se ela tivesse sido sequestrada de si e, quando tem a oportunidade de sair desse cativeiro, ela não consegue, por não saber quem ela é sem o seu manipulador”, destaca Carol. 

Nesse sentido, a psicóloga recomenda não se isolar de pessoas ao redor, como família e amigos. Além disso, ela sugere que “a maneira mais saudável de sair de um relacionamento abusivo é alimentando a sua autoestima e se tornando uma pessoa independente”. Para isso, a ajuda de profissionais de saúde mental pode ser essencial. 

Se você acredita estar sendo vítima de algum tipo de violência, clique aqui para saber como realizar uma denúncia.