IMPUNIDADE Dário Yanomami diz que as invasões se tornaram incontroláveis nos últimos anos sem qualquer reação das autoridades (Crédito:Divulgação)
DESPROTEÇÃO O território indígena mundurucu, rico em ouro,
é um dos mais castigados pelo garimpo: guerreiros indefeso (Crédito:Fotoarena)

Nos últimos meses, o povo mundurucu, que habita o Vale do Tapajós, no Sudoeste do Pará, vem sendo atacado impiedosamente. Emboscadas, ameaças frequentes e todo tipo de atrocidade têm sido cometidos contra eles por invasores de terras. Em março, houve um ataque à associação de mulheres mundurucus. Em maio, garimpeiros armados invadiram uma aldeia e queimaram a casa da líder comunitária Maria Leusa Kaba, que se opõe à mineração na região. Nesse período, um único invasor foi preso, Gilson Klein, apelidado de Polaquinho, responsável pela segurança da atividade ilegal na reserva e bastante ativo no YouTube, onde exibe armas de grosso calibre. Klein foi solto poucos dias depois. A situação na área mundurucu é um exemplo da tensão causada pela ocupação ilegal de territórios protegidos que só aumenta sob a indiferença do governo e a impunidade dos garimpeiros. Dados recém-divulgados pelo MapBioma Mineração mostram que o garimpo ilegal explodiu no Brasil entre 2010 e 2020, crescendo mais de 300% em áreas de preservação e 495% em terras indígenas.

Além do território mundurucu, as reservas Ianomâmi, em Roraima, e Caiapó, entre o Pará e o Mato Grosso, têm sido especialmente castigadas pela atividade predatória. Já a área de preservação ambiental que mais sofre com as invasões é a APA dos Tapajós. O aumento das ocupações em anos recentes reflete um processo de absoluta desorganização e de paralisia dos agentes de fiscalização, como o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Ambientais Renováveis (Ibama), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a própria Polícia Federal. Sem a proteção do Estado e lutando contra adversários armados, os povos da floresta estão vendo seus espaços reduzidos e seus meios de sobrevivência escassearem. “Há seis anos estamos enfrentando garimpeiros ilegais sem que haja qualquer reação firme das autoridades”, diz Dário Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, fundada por seu pai, o líder Davi Kopenawa. A associação representa cerca de 30 mil membros da comunidade. Segundo um estudo da Hutukara, atuam na reserva indígena cerca de 20 mil garimpeiros ilegais. Em 2020, a atividade avançou 30% sobre a terra ianomâmi.

Um efeito direto das invasões de áreas protegidas é o aumento de assassinatos de indígenas. Segundo o Atlas da Violência 2021, recém-divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), entre 2009 e 2019 a violência letal contra os indígenas aumentou de 15 mortos para 18,3 mortos a cada 100 mil habitantes. No mesmo período, a média geral de homicídios no País caiu de 27,2 para 21,7 a cada 100 mil habitantes. Quando se consideram os números absolutos, a violência contra os negros é muito maior, mas a população indígena é relativamente pequena, estimada em cerca de 1,5 milhão de pessoas, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Diante desses números, de acordo com o Atlas da Violência, “as taxas de homicídios apresentadas são expressões das vulnerabilidades vividas e do que se deve entender como risco de etnocídio, e mesmo de extermínio (genocídio)”. “Os territórios indígenas vem recebendo vários tipos de pressão e o garimpo é uma delas”, diz o pesquisador do IPEA Frederico Barbosa da Silva.

“A situação piorou desde 2018, com Bolsonaro externando apoio aos garimpeiros”, afirma Antônio Eduardo de Oliveira, secretário-executivo do CIMI. “Minha impressão é que o governo quer transformar o Brasil numa grande Serra Pelada.” O que chama a atenção em todas as invasões de reservas é a impunidade de quem comete crimes. O caso dos mundurucus é um dos poucos em que há um garimpeiro preso nos últimos tempos. Mas os advogados de Gilson Klein o tiraram da cadeia logo depois da prisão. Alegaram que ele é um homem de bem, com endereço fixo e não precisa ficar na cadeia. Mesmo assim, é um personagem raro: um sujeito que conseguiu ser preso por invadir terras indígenas. O que se vê hoje em dia é um ambiente de total liberdade de ação para os invasores e uma vontade geral, estimulada pelo governo, de eliminar as etnias indígenas.