RESUMO

• Plano de Lula elaborado no começo do mandato acabou enxugando gelo
• Ministra Sônia Guajajara diz que sem fechamento do espaço aéreo não há como conter as invasões
Yanomamis hoje convivem com traficantes perigosos e integrantes de facções criminosas
• Presidente determinou que seus ministros ponham de pé um novo plano

 

Em janeiro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, emocionado com as imagens de crianças esquálidas e idosos morrendo aos magotes de doença e fome, foi à Terra Indígena Yanomami, entre Amazonas e Roraima, para anunciar o decreto de emergência de saúde pública e a promessa de um arrojado plano de retirada de não índios da reserva. Estimava-se à época a presença de 20 mil garimpeiros, número que foi sendo reduzido com as operações policiais até chegar a cerca de mil invasores em novembro.

Entrevistada por Istoé, em dezembro, já informada sobre a resistência de criminosos infiltrados nos garimpos, a ministra Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, afirmou que a única alternativa para garantir a desintrusão seria o fechamento do espaço aéreo, atribuição da Força Aérea Brasileira (FAB) nunca executada.

O retorno dos garimpeiros não é surpresa para as comunidades indígenas que convivem com o sobrevoo diário de aeronaves de pequeno porte aterrissando ou decolando de algum ponto da reserva, a maior do País, com cerca de 10 milhões de hectares ou 100 mil quilômetros quadrados, maior que o estado de Pernambuco.

Um ano depois, na primeira reunião do ano com o primeiro escalão do governo, Lula esboçou a mesma reação de indignação e surpresa, mas percebeu que o governo enxugou gelo e determinou que seus ministros ponham de pé um novo plano, desta vez com bases militares e policiais na região e operações planejadas para garantir que nenhum garimpeiro permaneça por lá.

Garimpo ilegal volta a invadir reserva e Lula diz que agora é “guerra”
Presidente Lula reuniu em 9 de janeiro os ministros ligados à Segurança e Meio Ambiente e exigiu ações efetivas para garantir terras yanomamis (Crédito:Ricardo Stuckert / PR)

Enquanto o governo cochilava, os garimpeiros foram retornando e se juntando aos que se recusaram a deixar a área, optando pelo enfrentamento armado. Os que ficaram são os mais perigosos, traficantes da pesada, integrantes de facções criminosas, como PCC e Comando Vermelho, que migraram para a atividade garimpeira sem se desligar dos cartéis que utilizam os rios e a floresta da Amazônia como rota para o tráfico internacional.

Pela região escorre cerca de 40% da cocaína consumida no mundo, originária da Colômbia, Peru, Bolívia e Venezuela. O crime prospera ao lado da miséria que ameaça os cerca de 30 mil yanomamis que vivem em 341 comunidades da região e, além das ameaças constantes de invasores, são vítimas da fome, malária ou de doenças decorrentes da contaminação dos rios pelo mercúrio que é usado nos garimpos.

Ao reunir, no dia 9 de janeiro, 14 ministros, entre eles Guajajara, Marina Silva, do Meio Ambiente, Flávio Dino, da Justiça e Segurança, e José Múcio, da Defesa, Lula deu um ultimato: “Essa reunião aqui é para definir, de uma vez por todas, o que o nosso governo vai fazer para evitar que os indígenas brasileiros continuem sendo vítimas de massacre, do vandalismo, da garimpagem e das pessoas que querem invadir as áreas que estão preservadas e que têm dono, que são eles”. Lula garantiu que a partir de agora o governo travará uma “guerra contra o garimpo ilegal”.

Ajuda de fora

O reflexo imediato da ordem será a instalação de bases permanentes das Forças Armadas e da Polícia Federal na região para atuarem integradas às polícias regionais e dos países amazônicos. A PF vai reforçar a repressão com a inauguração, prevista para março, de um moderno Centro de Cooperação Policial Internacional (CCPI), em Manaus. No total serão pelo menos 40 policiais especializados, equipados com sete helicópteros, embarcações, viaturas e demais recursos necessários. Titular da Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal (Demaz/PF), o delegado Humberto Freire é o xerife do governo para combater o que chama de ecossistema de crimes, que começa com a invasão de terras indígenas, desmatamento, retirada ilegal de madeira e ouro. No final, o crime se alinha à ofensiva da bancada ruralista no Congresso, que cobiça as terras indígenas para o agronegócio. O presidente da Câmara, Arthur Lira, jogou mais lenha na fogueira ao cobrar do Congresso a regulamentação do artigo da Constituição que prevê a exploração comercial das terras indígenas, sonho de consumo de seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro. O tema deve entrar na pauta da Câmara este ano.

‘Diante da inoperância, surgiu o narcogarimpo’

Entrevista com delegado federal Humberto Freire, diretor da PF na Amazônia

Diante da inoperância dos órgãos ambientais (na gestão Bolsonaro) quem explorava tráfico de drogas partiu para explorar garimpo, surgindo daí o narcogarimpo. O crime não estava sendo coibido. Os que ficaram na terra Yanomami eram os que estavam confrontando o poder público com potencial lesivo de organizações criminosas. Havia também alguns membros de facções.

A quadrilhas têm articulação com os cartéis de cocaína?
Sim, elas têm contato com os traficantes que atuam na Colômbia, Bolívia, Peru e, em grau menor, na Venezuela. Por isso a necessidade de integração policial internacional. A fronteira brasileira tem 17 mil quilômetros. A maior fronteira terrestre da França, por exemplo, é com o Brasil. São 730 quilômetros na faixa que separa a Guiana Francesa do País. Precisa cooperação e integração com continuidade de investimentos.

Qual é o custo do plano?
O projeto todo é de R$ 2 bilhões. R$ 1,2 bi do Fundo Amazônia, doado principalmente por Noruega e Alemanha para fomentar as ações contra desmatamento, e R$ 800 milhões do Tesouro de recursos próprios. O dinheiro está em caixa e vai sendo liberado conforme as fases do plano até 2026. A meta de desmatamento zero até 2030 é possível.

Garimpo ilegal volta a invadir reserva e Lula diz que agora é “guerra”
“Xerife”: Freire é chamado assim pelo combate aos invasores da região (Crédito:Gabriela Biló)

Qual é a estratégia da PF diante da complexidade da Amazônia?
A ideia é não demonizar o entendimento de uso dos recursos naturais, mas precisa ser feito com sustentabilidade e legalidade. É necessário cooperação e integração nacional e internacional e continuidade de investimentos. Não adianta ter investimento massivo concentrado nos países que geram a oferta de ouro e madeira ilegais.

Há conivência da política regional com a exploração ilegal da Amazônia?
Investigamos fatos e, se por ventura, surgirem pessoas públicas, serão investigadas. A PF não persegue ninguém, mas também não protege.