Quem nunca sonhou em ganhar R$ 1 milhão? O desejo é tão forte que gerou uma febre de programas que oferecem prêmios milionários no Brasil. Recentemente, a jornalista Jullie Dutra virou sensação ao vencer o Quem Quer Ser Um Milionário, quadro do Domingão com Huck. A tradição desse tipo de atração é extensa, vem do rádio e passa por Silvio Santos.

“O Show do Milhão representou um marco na televisão brasileira”, diz Bruno Rogério Tavares, professor, pesquisador do tema e autor do livro Game Show: Os Formatos Interativos para TV Digital e Novas Mídias. O dono do SBT é consagrado pela quantidade de quadros e programas de perguntas e respostas que comandou. Fórmula que ditou o modelos dos chamados quiz shows no Brasil.

Tavares aponta em entrevista ao Estadão as origens, os acertos, os erros e os motivos pelos quais somos tão atraídos por esse tipo de conteúdo. Ele também explica os segredos que geram o sucesso do gênero. Tem a ver com apelo emocional, empatia e torcida.

Quais são as origens históricas do atual game show na TV? Onde conseguimos achar as sementes desse tipo de formato?

Os formatos atuais dos programas de TV do gênero game show, com essa nova roupagem e prêmios milionários, têm origem a partir do início dos anos 2000, quando os reality shows começam a ganhar espaço como sensação da programação televisiva. Porém, o fascínio exercido por esses jogos está presente na programação televisiva desde o seu surgimento. Historicamente (ele está presente) desde a sua origem no rádio, na década de 1930. O quiz show atraiu grandes audiências nos lares norte-americanos, mesclando educação com entretenimento. Por aqui, o primeiro programa brasileiro do gênero quiz show estreou em 1938 na Rádio Nacional do Rio, com o nome Caixa de Perguntas, e era escrito e apresentado pelo radialista Henrique Foréis Domingues, o Almirante. O público que costumava lotar o auditório da rádio podia ganhar até 30 mil réis (aproximadamente R$ 3.690) se acertasse as perguntas. Depois, o quiz show virou sinônimo de programa de auditório, em parte pelo grande número de programas do gênero comandados por Silvio Santos. Na televisão podemos destacar os programas O Céu É o Limite (TV Tupi), 8 ou 800 (TV Globo), Roletrando (SBT), Qual É a Música (SBT), Passa ou Repassa (SBT) como algumas das referências em game shows de diferentes formatos.

No Brasil, um marco histórico não só para esse formato, mas para a TV nacional, é o Show do Milhão, do Silvio Santos. Por que você acha que ele marcou tanto e quais foram os seus acertos ao abordar o formato?

O Show do Milhão representou um marco na televisão brasileira porque trouxe para o horário nobre um programa de televisão que permitia ao público de casa se inscrever para ficar milionário da noite para o dia respondendo a perguntas de conhecimento gerais. Outro fator que vale a pena destacar era que o público que estava assistindo poderia ganhar dinheiro enviando as perguntas para o programa por meio da internet, que começava a ganhar espaço nas residências. O formato do Show do Milhão é nitidamente inspirado no original britânico Who Wants to Be a Millionaire?, de 1999, e foi motivo de um processo por questões de direitos autorais.

Por que esse formato de “trivia” simples sobrevive, tem picos de popularidade como o desta semana, e qual é o seu apelo para o público? Você consegue explicar? O que o faz funcionar?

Os game shows de trivia simples e individuais têm uma longa história e continuam a atrair audiências por várias razões. A fórmula parece simples: participantes, individualmente ou em equipes, participam de uma disputa para responder corretamente ao maior número de perguntas, em troca de um bom prêmio em dinheiro, ou de um bem valioso. Os game shows de trivia, ou melhor, os programas do subgênero quiz show, oferecem uma combinação única de desafio mental, competição saudável, diversidade de tópicos e participação ativa da audiência, o que continua a cativar o público e a manter seu apelo ao longo do tempo. É um programa de formato fácil de entender, que permite um entretenimento acessível, tem um apelo social e provoca um engajamento social. Por um lado, a reação dos integrantes da plateia é uma forma de mensurar a reação do público em casa. Ao mesmo tempo, regras específicas definem a sua participação e dão autoridade ao apresentador para controlar os participantes. O que não funciona são perguntas com alto grau de dificuldade, produtores pensarem que o programa é feito para os participantes e não para os telespectadores, vazamento das perguntas, o apresentador mudar as regras do jogo para favorecem um participante e não ter um vencedor.

Como você analisa o sucesso atual do Quem Quer Ser Um Milionário dentro do Domingão com Huck? Ele parece ter ajudado o programa a se consolidar. Quais são os erros e acertos que você enxerga nele?

Quando o Luciano Huck assumiu o Domingão com Huck o quadro Quem Quer Ser Um Milionário parecia mais um problema do que uma solução. O viés social na escolha dos participantes não criava engajamento com a audiência, ou seja, uma pessoa que estava assistindo ao programa não poderia sonhar em participar se não estivesse envolvida com uma causa social. As famílias brasileiras que assistem à TV no final da tarde de domingo querem ter a oportunidade de se divertir e sonhar. O sucesso do Quem Quer Ser Um Milionário começou quando a equipe de produção começou a trazer para o estúdio candidatos que estudaram e poderiam chegar a responder à pergunta de um milhão de reais. O público gosta de torcer, de participar, e valoriza quem estudou e se esforçou para chegar lá. Eu assisti à vitória da Jullie e foi emocionante. Não é por acaso que este episódio é o último desta temporada. O nosso envolvimento com ela se dá principalmente pelo sonho de querer comprar uma casa para a mãe de coração. Esse é o sonho de muitos brasileiros. Algo que o Silvio Santos fazia com maestria, perguntando o que a pessoa iria fazer com o prêmio. Durante o programa, o Luciano Huck ressaltou a história de vida de Jullie, que batalhou para estudar, perdeu os pais, luta para criar a filha e quer realizar o seu sonho profissional. Qual brasileiro não se identificaria com uma história dessa?

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.