O diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse nesta segunda-feira, 23, que juros elevados nos Estados Unidos nunca são um cenário confortável para países emergentes. Em evento na PUC-SP, ele comentou que o grande desafio das autoridades monetárias é entender como economias estão perto do pleno emprego em vários países e, mesmo assim, não há pressões inflacionárias. “Economistas se questionam sobre o que está acontecendo”, disse. “A gente precisa ter humildade, por isso as autoridades monetárias estão bastante cautelosas”, acrescentou.

Galípolo comentou que há no mundo muitas críticas à comunicação do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). Houve, segundo ele, um movimento “violento” das treasuries. Apesar disso, em termos comparativos, a alteração atual não é muito diferente da que já foi vista em outros episódios do passado, sobretudo antes do uso da ferramenta de quantative easy (QE).

Para o diretor, o Brasil está saindo do QE em uma situação diferente porque o País é credor líquido internacional. De acordo com ele, o Brasil está em uma posição melhor porque, excluindo-se as dívidas intercompanhias, tem reservas internacionais para honrar dívida pública em dólar. Ele voltou a citar México e Índia como países concorrentes do Brasil na disputa por investimentos estrangeiro, nessa nova era de nearshoring, quando a intenção é trazer a cadeia produtiva para mais próximo dos compradores.

Juros futuros nos EUA

Galípolo voltou a comentar as possíveis explicações que estão sendo dadas para a alta dos juros futuros dos Estados Unidos. “A gente está num momento interessante, com uma série de mudanças acontecendo”, disse.

Assim como falou em evento da Firjan no início do mês, ele salientou que desde a primeira vez que participou numa reunião de Política Monetária no BC brasileiro, houve sentimento de sell-off, de aversão a risco.

“Naquele Copom, tinha uma posição de economistas que esperavam (corte de) 0,25 ponto porcentual e traders apostando em meio, as expectativas estavam divididas”, recordou. “Fiz uma ironia de que talvez o Copom tenha influenciado as Treasuries, foi uma brincadeira, mas teve gente que levou a sério”, explicou.

Galípolo citou a hipótese de que as taxas de Treasuries futuras estavam se abrindo porque os japoneses pararam de comprar títulos, mas foi perdendo força. Depois ele mencionou a possibilidade de a China estaria vendendo posições em dólares.

Para fins de política monetária, transmissão da alta dos Treasuries se dá via câmbio

O diretor de Política Monetária do Banco Central salientou que, para fins de política monetária, a transmissão da alta dos rendimentos dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos para o Brasil se dá por meio do canal de câmbio. “Quando eu olho para a Focus, vejo menos revisões sobre taxa terminal e sobre expectativas para 2024. O que isso me dá como pista?”, questionou.

De acordo com ele, provavelmente, os economistas estão imaginando que o cenário de câmbio é temporário e que, portanto, não afetou as expectativas a ponto de mudar o quadro para o ano que vem. “É isso o que estou enxergando: com esse patamar de juros das treasuries relativamente alto, o real está se comportando relativamente bem”, disse.

A questão que ainda fica no ar, conforme o diretor, é sobre qual será o comportamento do câmbio se os yields dos Treasuries continuarem a subir. De acordo com ele, o cenário agora é diferente do visto nos anos 1970 ou 1980, quando a elevação da taxa de juros americana transferia quase todo o ajuste dos juros aos países endividados em dólares. Galípolo citou um research do mercado financeiro que daria conta de um prejuízo de US$ 10 trilhões, que ainda não estaria evidente por não estarem marcadas a mercado.

Por isso, explicou o diretor, já se começa a olhar para o vencimento dessas dívidas, que têm concentração em 2024 e, principalmente, em 2025. Se essas dívidas forem roladas com um custo muito mais caro, segundo ele, o aperto da liquidez será “bastante intenso”. “Aí se começa a levantar algum receio para os Estados Unidos sobre questões de estabilidade financeira”, disse, complementando que esse ponto pode gerar “resultados bastante perigosos”.

Esta condição, conforme Galípolo, pode ser apresentar como um limitante para que taxas de juros não possam abrir tanto sem gerar problema aos EUA. “O cenário internacional hoje desenhado para a gente é mais desafiador do que o que tivemos nos últimos anos, onde as correlações das variáveis se comportam de forma bastante interessante e não usual.”

Se, por um lado, o cenário internacional é mais desafiador, o economista voltou a dizer que, por outro, o Brasil reúne também uma série de vantagens comparativas, como no caso da transição ecológica e energética. Ele disse que o Brasil tem custo menor do que pares como México e Índia, e consegue fazer essa passagem com menor pressão inflacionária.

Valorização do dólar

Galípolo previu a continuidade da valorização do dólar, durante evento realizado agora à noite na PUC-SP. “Os Estados Unidos ainda têm uma posição em que uma ‘crise’, um sell-off (no mercado de Treasuries), que decorre de um movimento do próprio país ainda provoca uma valorização do dólar”, projetou.

De acordo com ele, o cenário atual está conturbado para fazer estimativas de longo prazo e o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC brasileiro foi muito “corajoso” ao mencionar a expectativa de novos cortes da Selic em 0,50 ponto porcentual “para as próximas reuniões”.

“Fazer forward guidance em países emergentes é um esporte de altíssimo risco”, brincou. “Todo mundo quer saber quando esse S (que designa várias reuniões do Copom) vai continuar lá.”

Galípolo comentou que as TIPS (títulos dos EUA atrelados à inflação) pagaram 2,5% real de juros, um valor considerado alto, já que a taxa de juros real do México, por exemplo, está na casa de 2%. “Este é um poder de atração, de remuneração que é bastante elevado, então a gente enxerga valorização do dólar por enquanto.”