Rio –  Tenho aptidão para o silêncio. As quietudes não me incomodam. Gosto, também, da conversa. Quando se destravam os medos e se fala do que importa.

Há muitos emaranhados de nada. De gente que não se revela e que apenas acusa sobre o que não sabe. Disso, não gosto. Quem do outro fala, de mim, há de falar. Quem fala de bondades revela uma face melhor.

Estava sozinho, ao lado de muitas pessoas, na espera da minha vez. O sol arrebentava lá fora. O dia estava agitado, como sempre, com vozes em todos os tons. Por que algumas pessoas falam tão alto? Gritarias sujam o dia.

Foi quando, em uma cadeira, uma mulher pôs os seios à disposição e alimentou seu filho. A cena me trouxe silêncio. Duas faces, a da mãe e a do bebê. Duas faces na fotografia do amor. Ela, o amor entrega. Ele, o amor necessidade. Ela, a compreensão do significado daquele instante. Ele, o instante. Sentimentos não precisam de explicação para quem os sente. Mas é bonito de se ver. O bebê quase que, animalescamente, sugando a vida. E a mãe quase que, divinamente, oferecendo sua vida para uma outra vida.

É comum que mulheres sintam dor ao amamentar. Que sofram. E que esqueçam o sofrimento. Os dias vão dando tamanho ao filho. Os barulhos deixam de ser de choro e passam a ser de canção.

Enquanto esperamos, há uma música que acalma as pessoas. Os nossos nomes vão sendo chamados um a um. É uma repartição em que se aguardam documentos. Ouço o meu nome e me levanto com calma, enquanto contemplo um pouco mais aquela mãe e seu filho. Ele acabou e agora descansa. Ela o balança com dengo e ele gosta. O que pensa o pensamento de um bebê? Está tudo nos inícios. Ele ri do movimento. E ela prossegue. E prosseguirá para sempre sendo mãe. Uma mulher é outra depois dos filhos. As noites nunca serão como antes. As preocupações ocupam outros espaços. É assim que é.

Chamam meu nome mais uma vez. Preciso ir. Precisava dizer àquela mulher o quanto aquela cena era linda. Talvez diga, depois de ser atendido.

Sentado à mesa, conferem o meu nome. O nome do meu pai. O nome da minha mãe. Enquanto buscam algo, penetro no tempo e brinco de imaginar como eu era enquanto amamentava. Que canções minha mãe cantava. Eu fui o filho mais novo de vários. Ela já havia experimentado a generosidade muitas vezes.

Minha mãe dizia que eu era uma criança calma. Mães dizem docilidades. Nasci grande. Nosso cordão umbilical nunca se cortou. Do leite ao colo. Do colo às mãos dadas. Das mãos dadas ao abraço da chegada depois de alguma partida. Das partidas aos aplausos e silêncios nas glórias e nas tristezas.

No silêncio de minha mãe, alimento minha esperança. De prosseguir. Somos esses punhados de vida. De alimentos em alimentos crescemos. Vez em quando, escorregamos. Vez em quando, barulhos nos atormentam e cenas nos acalmam.

Volta o homem com o documento. Está tudo certo. Agradeço. E volto para a sala de espera. Vou falar com aquela mulher e dizer a ela sobre a fotografia que ficou na minha alma. Procuro e não vejo. Há muitos outros rostos com luzes e rugas naquele espaço, como em todos os espaços. Uma senhora bem idosa, daquelas que são idosas há muito tempo, me sorri e me deseja um bom dia.

Será um dia bom.

Gabriel Chalita é professor e escritor