Os líderes do G20 encerraram, neste domingo (23), na África do Sul, sua cúpula anual defendendo o multilateralismo diante de um mundo afetado pelas políticas unilaterais dos Estados Unidos, por guerras e pelas crescentes rivalidades geopolíticas.
“Não estamos vivendo uma transição, mas uma ruptura”, reconheceu o primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, no último dia de uma cúpula de dois dias, que terminou neste domingo.
“Muitos países estão se retraindo em blocos geopolíticos ou em campos de batalha do protecionismo. Em cada ruptura reside a responsabilidade de construir; a nostalgia não é uma estratégia”, acrescentou.
Dezenas de líderes de economias-chave de todo o mundo, incluindo Brasil, Europa, China, Índia, Japão, Turquia e Austrália, participaram da cúpula, a primeira realizada na África.
O G20 reúne 19 países, aos quais se somam a União Europeia e a União Africana. No total, seus participantes representam 85% do PIB mundial e cerca de dois terços da população.
O governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, rejeitou o evento, alegando que as prioridades da África do Sul – incluindo cooperação em comércio e clima – iam contra suas políticas.
Em um comunicado conjunto do G20 no sábado, os líderes presentes declararam que se reuniam “em um contexto de crescente competição e instabilidade geopolítica e geoeconômica, intensificação de conflitos e guerras, aprofundamento da desigualdade, aumento da incerteza econômica global e fragmentação”.
O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, admitiu que havia “desafios”, mas afirmou que o grupo “destaca o valor e a relevância do multilateralismo”.
A declaração dos dirigentes foi feita apesar de Washington se opor a que a cúpula fizesse qualquer pronunciamento em nome do G20.
A organização Oxfam, com sede no Reino Unido, afirmou que “a África do Sul deu um exemplo ao mundo ao garantir que o G20 permanecesse firme e concordasse coletivamente com uma declaração de líderes – defendendo o multilateralismo – apesar da poderosa oposição”.
No mesmo sentido, vários líderes, incluindo Carney, Ramaphosa e o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, afirmaram que as economias emergentes estão adquirindo maior importância no G20.
“Se alguém imaginou que poderia enfraquecer o multilateralismo, esses eventos, tanto da COP quanto do G20 aqui na África do Sul, demonstram que o multilateralismo está mais do que vivo”, afirmou Lula.
Entretanto, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse, por sua vez, no sábado, que “o G20 pode estar chegando ao fim de um ciclo”.
– Sem Trump ou Milei –
Os Estados Unidos devem assumir a presidência rotativa do G20, sucedendo à África do Sul. No entanto, a administração Trump anunciou que deseja limitar a cúpula do próximo ano em Miami a questões de cooperação econômica.
Além da ausência do republicano, o mandatário argentino, Javier Milei, alinhado diplomaticamente a ele, também não comparece à cúpula, assim como a mexicana Claudia Sheinbaum, que geralmente não participa desse tipo de evento.
O G20 foi fundado após a crise financeira asiática de 1997-1998, como um fórum para promover a estabilidade econômica e financeira global. Com o tempo, seus debates se expandiram para incluir também a mudança climática, o desenvolvimento sustentável, a saúde global e os conflitos.
As divisões se ampliaram devido à guerra da Rússia na Ucrânia e ao confronto entre Israel e Hamas em Gaza.
Carney, cujo país ocupa este ano a presidência do G7, afirmou que “o centro de gravidade na economia global está mudando”, sugerindo que o G20 precisa incluir as economias emergentes e do chamado Sul Global.
“Trazer potências emergentes e países em desenvolvimento foi como criar um mundo completamente novo dentro do G20 e isso realmente ajudou a neutralizar a ausência de Trump”, disse à AFP William Gumede, professor de gestão na Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, que assessora governos, incluindo o da Turquia.
A cúpula lançou uma “‘tábua de salvação’ ao multilateralismo, dando-lhe um novo fôlego”, afirmou.
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