Rio – Os tiros que mataram Willian Augusto da Silva, 20 anos, partiram de um fuzil Colt AR-10, considerado o mais moderno da Segurança Pública brasileira. As armas, compradas para a Rio 2016, têm um alto poder de precisão e são de uso restrito das elites das polícias estaduais. É o caso, por exemplo, do Bope, a tropa de elite da PM, e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil. Com corpo de AR-15, mas munição de 7,62mm, é considerado um fuzil mais leve. Porém, mais potente.

Seis tiros atingiram Willian às 9h02 da manhã, logo após ele descer pela segunda vez do ônibus usando uma balaclava de caveira e mostrar o dedo do meio para um dos snipers, que estava deitado desde as 8h no teto de uma ambulância, a uma distância de 80 metros do alvo. À espera do momento certo para agir.

“Quando se toma a decisão de partir da técnica para a opção tática, é analisado se é para neutralizar (matar) o criminoso ou somente imobilizar. Nesse caso, o sniper analisou que tinha que neutralizar e dar os tiros necessários para isso”, afirmou o major Wellington Oliveira, porta-voz do Bope.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, o sequestrador chegou com parada cardiorrespiratória ao Hospital Souza Aguiar, onde foi constatado o óbito pela equipe médica do hospital. A atuação da polícia começou com um cerco logo após o ônibus ser sequestrado, quando um outro motorista passou ao lado do veículo e observou Willian com um arma. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) isolou a região. Em seguida, o Bope foi acionado, chegando ao local em 20 minutos.

Entre os 30 agentes do Bope no local, estavam quatro atiradores de elite chamados de snipers. Uma psicóloga do batalhão acompanhou a negociação, feita com o auxílio de um radiotransmissor.

O sequestrador aparentava agitação, sem estabelecer um diálogo linear, apontam os agentes que conversaram com ele. Em alguns momentos, inclusive, citava trechos do livro do autor Charles Bukowski. E chegou a pedir R$ 30 mil para libertar os reféns.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Mas demonstrava estar confuso. “Quando o negociador perguntou para que ele queria usar o dinheiro, ele respondeu: ‘Que dinheiro?’”, contou um agente, que não se identificou.

Tiros de ‘controle’

Os atiradores também fizeram os chamados disparos de ‘controle’, quando o policial mira o chão como objetivo de evitar a aproximação da multidão. A perícia inicial confirmou que seis tiros atingiram o corpo de Willian. Mas ainda não sabe informar se partiram apenas da arma de um único sniper. O Bope não quis
fornecer a informação.

Quem deu o sinal verde para atirar foi o comandante da unidade, após a psicóloga afirmar que não seria mais possível negociar. “Ela, que trabalha há seis anos em situações como essa, chegou à conclusão de que ele estava em um estado psicótico. Entrevistou as vítimas que saíram do ônibus. Aliado a isso, soubemos que ele tinha amarrado os reféns. E, além da arma, tinha gasolina”, disse o major Wellington Oliveira, porta-voz da unidade. Os atiradores temiam que o sequestrados pegasse a arma ou começasse um incêndio, mesmo depois de ser baleado.

Um homem tentou ultrapassar o cerco policial na área isolada, alegando ser comparsa de Willian. Ele foi preso por agentes do Programa Niterói Presente, em um dos acessos à Ponte Rio-Niterói. Identificado como Luís André da Silva Carvalho, ele disse que era comparsa do sequestrador e queria oferecer ajuda. A possível ligação entre os dois ainda está sendo investigada pela 76ª DP (Centro).

“Ele veio numa moto e tentou furar o bloqueio. Portava uma balaclava (touca ninja) idêntica a do sequestrador e estava com uma espécie de espeto de churrasco, simulando estar armado. Nós conseguimos imobilizá-lo e ele disse que estava indo retirar o sequestrador do local”, disse o capitão PM David Costa, coordenador do programa.

Na delegacia, já preso, ele decidiu se manifestar só em juízo, após ter sido autuado por resistência, desobediência e lesão corporal, pois mordeu um dos agentes durante a imobilização. Em sua ficha criminal, constam três passagens por roubo, Lei Maria da Penha, estupro, porte ilegal de arma, furto, ameaça e injúria. A polícia vai investigar se era ele quem estava fazendo contato com Willian por telefone.

Tiros quando não era mais possível negociar, diz Bope

O coronel Maurílio Nunes, comandante do Bope, afirmou ter seguido todos os protocolos, inclusive internacionais, durante a ação para conter o sequestro do ônibus 2520. Ele ainda acrescentou que autorizou os tiros quando não era mais possível negociar. “Demos o número de tiros necessários para salvar vidas”, disse.

Ele também falou sobre o sequestrador. “É um perfil psicótico. Há um mês, segundo a família, ele aparentava estar em surto. Não dormia direito e vivia na internet. Características de um possível suicida”.
Enquanto Willian fazia reféns, duas psicólogas do Bope fizeram entrevistas com parentes para traçar o perfil do sequestrador, explicou Nunes. A conclusão foi de que tratava-se de um caso de “suicide by cop”, quando o indivíduo suicida se comporta de maneira ameaçadora para ser morto por um agente. Nunes explicou, ainda, que o episódio pode incentivar outras ações parecidas.

“Há a possibilidade de esse cara ser um lobo solitário, um terrorista. Algumas características nos levam a crer”, disse o coronel. “Pela estrutura que ele montou no ônibus, ele não queria só se suicidar, mas também ferir as pessoas. Ele colocou gasolina em garrafas pet, presas com barbante, de forma que viraria fácil se alguém desse um esbarrão por ter saído correndo”.


O comandante do Bope negou a tese de que a ordem de atirar teria partido do governador Wilson Witzel. “Os protocolos são da PM. O governador apenas nos dá condições de trabalho. A ordem foi do gerente da crise. No caso, eu”, explicou o coronel. Ao descer de helicóptero na Ponte, Witzel comemorou a ação da polícia.

Após a repercussão, declarou que “celebrou a vida” e disse lamentar a morte do sequestrado. “Eu celebrei a vida. Em nenhum momento vou manifestar alegria pela morte de quem quer que seja”.

Treinamento árduo para se tornar atirador de elite

Para ser atirador de elite, é necessário treinamento árduo e paciência. Muita paciência. Diariamente, os atiradores ficam horas na mesma posição, olhando só por uma luneta para o alvo. “É necessário treinamento físico, calma e concentração. Tem dias que ficamos até quatro horas imóveis”, afirmou um sniper, que pediu anonimato. É preciso, também, passar por curso anual.

De cada quatro alunos, só um consegue se formar. Isso porque eles disparam até mil tiros. E, na avaliação final, precisam acertar todos os disparos no alvo. As provas englobam tiros diurnos, noturnos e de diferentes distâncias. Mesmo após o curso, o atirador só é colocado em uma ocorrência após quatro anos de
treinamento. “A regra é: treinamento. Confiamos tanto nos disparos que um dos agentes segura o alvo. Sabemos que iremos acertar. Confiança ajuda em momentos decisivos”, relatou o sniper.

Participaram da cobertura: Ana Mello, Beatriz Perez, Bruna Fantti, Cadu Bruno, Clarissa Monteagudo, Gustavo Monteiro, Gustavo Ribeiro, Jenifer Alves, Jessyca Damaso, Luana Benedito, Luana Dandara, Maria Inez Magalhães, Maria Luisa de Melo, Natasha Amaral, Rachel Siston, Rai Aquino, Samara Azevedo, Thuany Dossares, Waleska Borges e Yuri Eiras


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias