A situação que vinha sendo prevista pelas agências de fomento à pesquisa no Brasil finalmente chegou. Com a estagnação econômica e subsequente queda na arrecadação, o governo federal reviu o orçamento de diversos ministérios. Nesse processo, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) sofreu um duro golpe: 37% da verba prevista foi contingenciada. Dessa forma, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), subordinado a esse ministério, ficou sem dinheiro para pagar as bolsas de seus 84 mil bolsistas. Até o começo da semana, era esperado que só seria possível garantir os pagamentos até o quinto dia útil de setembro, quando eles recebem o dinheiro referente ao mês anterior. De acordo com dados do CNPq, a maior parte dos pesquisadores (55%), integra os programas de iniciação científica para universitários e a minoria deles está no ensino médio. Tudo isso consiste em bolsas de R$ 100 a R$ 400 por mês.

Marcos Pontes, ministro do MCTIC, enviou para aprovação do Ministério da Economia um remanejamento de R$ 83 milhões dentro da pasta para o CNPq. Esse montante é suficiente para garantir apenas mais um mês de bolsas, restando R$ 250 milhões para honrar os pagamentos até o fim do ano. Se a situação já é desesperadora nesse ano, para 2020 ela se desenha com contornos ainda mais sombrios. Na proposta orçamentária enviada pelo governo à Câmara dos Deputados, os valores de “fomento à pesquisa” no ano que vem são 87% menores que em 2019, despencando de R$ 127 milhões para R$ 16 milhões. O valor para pagamento de bolsas subirá de R$ 784 milhões para pouco mais de R$ 1 bilhão, garantindo ao órgão apenas o pagamento das bolsas, mas impedindo a manutenção de laboratórios e outros departamentos de trabalho dos pesquisadores.

“Não são pesquisas triviais, são relevantes. É a cultura da pseudociência instalada. Quem acaba prejudicado, além de mim, é a população” Leona da Silva Marques, mestranda em nanociência

Agências em apuros

Na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), fundação semelhante ao CNPq que é gerida pelo Ministério da Educação, a situação também não prospera. Na semana passada foi anunciado o corte de mais de 5.600 bolsas — o terceiro no ano, totalizando mais de 11 mil em 2019.

A CAPES afirma que os cortes são apenas para novos projetos, e que os bolsistas que já estão recebendo não terão problemas. Na prática, no entanto, não é bem assim. Leona da Silva Marques faz mestrado em nanociência pela Universidade Federal de Santa Catarina e só recebeu a primeira parcela da bolsa um mês após iniciar a pesquisa. Ela era professora de Química em Penha, cidade próxima a Itajaí, onde residia, e teve de pedir demissão da escola em que trabalhava e mudar-se para Blumenau a fim de se adequar ao edital que previa dedicação exclusiva e ausência de vínculo empregatício. Sua pesquisa com bases Schiff pode tanto ajudar na degradação de corantes poluentes quanto trazer progressos no tratamento da doença de chagas. “Não são pesquisas triviais, são relevantes. É a cultura da pseudociência instalada. Quem acaba prejudicado, além de mim, é a população”, diz ela. Para 2020, a situação da CAPES também é trágica. O MEC divulgou que a previsão é de que o orçamento da fundação seja cortado pela metade, e novos bolsistas não serão admitidos.

Tentando salvar a ciência

O ministro Marcos Pontes recentemente disse que “praticamente implorou” ao ministro da Economia, Paulo Guedes, para garantir mais recursos para que o MCTIC honrasse os pagamentos. Seus pedidos, porém, em nada mudaram a situação. Uma proposta encaminhada por Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, para o STF, prevê que R$ 250 milhões recuperados na Operação Lava Jato sejam utilizados para financiar o CNPq — justamente o montante que falta para garantir as bolas de 2019. A sugestão foi dada ao ministro do STF Alexandre de Moraes, pois ele julgará o destino de R$ 2,5 bilhões obtidos num acordo entre a Justiça dos EUA e a Petrobrás. Para os bolsistas, a incerteza ainda persiste.

O governo federal brasileiro parece estar apostando, infelizmente, no obscurantismo para fechar as contas. O corte na ciência, em curto prazo, poupa dinheiro — a CAPES, por exemplo, estima economia de R$ 544 milhões em quatro anos com as novas tesouradas —, mas deixa muitos pesquisadores, principalmente jovens, sem incentivo para perseguir na carreira acadêmica. Como afirmou recentemente Hernan Chaimovich, ex-presidente do CNPq, “diminuir a atividade econômica e castigar o sistema de ciência e tecnologia é justamente o contrário do que fizeram todos os países que saíram da crise rapidamente”. Assim, não é exagero falar em “apagão da ciência” no Brasil, visto que nos próximos meses já não deve haver sustento para muitas pesquisas. Mais do que uma crise, parece um plano.