“Mas quando você cabeceia, não estraga o penteado?”. Aos 75 anos, Bärbel Wohlleben ainda ri quando lembra da primeira entrevista a um jornalista de futebol, em setembro de 1974.

Naquela época, a atacante já tinha 30 anos, mas apenas três de carreira esportiva. Até 1971, a poderosa DFB, a Federação Alemã de Futebol, proibia veementemente as mulheres de participar de competições. Mais além, todo clube que colocasse suas instalações à disposição de equipes femininas estava suscetível a punições.

“Este esporte de combate é por essência contrário à natureza feminina”, é possível ler no regulamento de 1955. “O corpo e a alma sofram danos inevitáveis e a exposição do corpo viola a boa educação e a decência”, completa.

Mas o amor pelo futebol era antiga para a então jovem Bärbel. Ela deu seus primeiros chutes aos 10 anos de idade, em 1954, na tarde da final da Copa do Mundo vencida pela Alemanha sobre a poderosa Hungria.

“Tínhamos sido convidados para a casa de uns amigos, foi a primeira vez que eu vi uma televisão. Depois da vitória, foi uma loucura em casa. Fomos ao jardim e eu falei: ‘também quero jogar futebol'”.

Durante quatro anos, Bärbel treinou e jogou no pequeno clube onde jogavam seus três irmãos. “Naquela época não se controlava tanto as licenças e joguei em partidas” na categoria sub-15, revela à AFP.

– Seleção ‘não oficial’ –

Mas logo se viu obrigada a abandonar o esporte que amava por falta de estrutura, focando então no handebol. Até que, aos 27 anos, esbarrou em um grupo de mulheres que haviam criado uma equipe em Wörrstadt, um vilarejo perto de Ingelheim, onde morava.

“Jogávamos partidas amistosas em campos metade de grama e metade de terra, já que todas as competições eram proibidas pela DFB”.

Foi nesta época que vários técnicos de equipes femininas iniciaram quase que na clandestinidade conversas para a criação de uma federação própria.

Assim, reuniram as melhores jogadoras para formar “uma seleção da Alemanha” não oficial. Bärbel foi uma das convocadas.

“Nunca tivemos um treino juntas. Disputamos algumas partidas contra Dinamarca e Itália. A DFP não ficou sabendo. Acabaram autorizando o campeonato, mas nos disseram: ‘Vocês não têm o direito de formar uma seleção nacional'”, lembra a ex-jogadora.

De fato, a talentosa Bärbel nunca jogou por seu país, já que uma equipe nacional oficial só foi montada em 1982, quando ela já estava velha demais.

O primeiro título de campeão alemão de futebol feminino foi dado em 1974, ano do título mundial da ‘Mannschaft’ de Franz Beckenbauer e Gerd Müller. O Wörrstadt derrotou por 4 a 0 na final uma equipe de Gelsenkirchen. Bärbel, com um chute de fora da área, marcou o terceiro gol da equipe.

E uma surpresa esperava por ela…

– ‘Meu homem pode cozinhar’ –

“Recebi uma ligação de uma emissora nacional, me disseram que meu gol havia sido escolhido o mais bonito do mês de setembro, o primeiro ‘gol do mês’ marcado por uma mulher. No início, não acreditei, achei que era pegadinha”, lembra a ex-jogadora.

No fim, Bärbel foi a Colônia para receber a medalha, que ainda guarda. Mas, 45 anos depois, ainda lembra as perguntas que teve que responder naquele dia: “O que seu marido acha disso?”, “Quem se ocupa das tarefas domésticas?”.

“Eu respondi: ‘Meu homem também pode cozinhar'”. Naquela época, uma resposta como essa não era frequente.

“Era outra época”, ri agora Bärbel. “É preciso lembrar que até 1977 as alemãs não tinham o direito de trabalhar sem o consentimento de seus maridos”.

A lei era a clara: “A mulher só tem o direito de trabalhar se for compatível com suas obrigações conjugais e familiares”.

Com uma forte personalidade e entusiasmo comunicativo, Bärbel Wohlleben garante, porém, não ter sofrido sexismo em sua carreira como jogadora. “Os espectadores riam das meninas que jogavam mal. Comigo, não podiam falar nada, eu joguei durante anos com os garotos e tinha um certo talento”.

É possível ver seu ‘gol do mês’, de setembro de 1974, no site https://www.sportschau.de/.

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