A evasão escolar é um dos problemas mais sensíveis da educação brasileira. Quando o assunto envolve regiões mais afastadas, como é o caso da Amazônia, essa radiografia chama a atenção. De acordo com o estudo A Educação na Amazonia Legal – Diagnósticos e Pontos Críticos, que integra o projeto Amazônia 2030, a localidade conta atualmente com o menor número de estudantes matriculados e taxas mais altas de evasão escolar no ensino médio do Brasil – 10,2% ante a média brasileira de 9,2%.

Entre as causas, além do desestímulo e do abandono, segundo a pesquisa, estão a necessidade de trabalhar para complementar a renda da família e a dificuldade de deslocamento para as escolas tradicionais. Cenários como esse despertaram a atenção não somente do terceiro setor, mas também da iniciativa privada, que vem investindo em projetos para integrar a educação na cadeia produtiva da Amazônia, trazendo a realidade de vida do jovem do campo como elemento de aprendizado mais duradouro e contínuo.

Nesse sentido, uma das iniciativas que se destacam é a criação do FUTURE (Fundo Territórios Unidos por Recursos para a Educação), primeiro fundo patrimonial que tem como objetivo financiar instituições como as Escolas Família Agrícolas (EFA) e Casas Familiares Rurais (CFR) na Amazônia. Para se tornar realidade, o FUTURE contou com o apoio do Fundo JBS pela Amazônia, que fez um aporte inicial de R$ 1,6 milhão e pretende contribuir para a manutenção da ação para os próximos três anos.

Para Andrea Azevedo, diretora executiva do Fundo, os desafios educacionais na Amazônia passam por conteúdos desconexos da realidade das comunidades locais, longos deslocamentos e evasão por conta do trabalho. “Muitos adolescentes saem da escola para ajudar as famílias na pesca ou na agricultura. Por isso, a educação deve ser pensada a partir da dinâmica social local, dentro da realidade das famílias. E o FUTURE poderá fomentar modelos educacionais mais adequados à rotina dos jovens e às atividades socioeconômicas locais. É este o impacto esperado pelo Fundo JBS pela Amazônia”, diz.

Intermitência financeira e modelo educacional
A eficácia do sistema de educação rural tem sido comprovada, porém ainda enfrenta alguns desafios, como a intermitência financeira, pois nem sempre o repasse de recursos públicos ocorre de forma continuada e consegue manter a estrutura de ensino. O novo fundo tem como intuito ajudar a garantir a continuidade dessas escolas, cujo desenvolvimento foi inspirado em um modelo francês educacional e começaram a tomar corpo no Brasil na década de 1980.

As EFAs e CFRs têm uma metodologia baseada na pedagogia de alternância, método no qual o aluno passa 15 dias na escola e a quinzena seguinte em casa, o que permite ao jovem compartilhar os aprendizados com a família, aplicando técnicas produtivas focadas no meio ambiente aprendidas com os professores, como educação ambiental, utilização racional dos recursos, conservação da biodiversidade e preservação do meio ambiente.

As duas primeiras unidades que receberão os incentivos do FUTURE serão a EFAM (Escola Família Agroecológica do Macacoari) e EFAB (Escola Família Agroextrativista do Bailique), que serão consideradas modelo para a replicação e ampliação do novo fundo.

Segundo Aerton Paiva, antropólogo e fundador do Instituto InterElos, envolvido no FUTURE, a iniciativa não vai apenas garantir o fluxo financeiro para as escolas, mas também receberá projetos para auxiliar na qualidade de gestão com equipes que vão treinar os próprios alunos. “Isso será parte fundamental do conhecimento. Estamos dizendo que esse bioma é importante e uma parte dele são as pessoas, pois são elas que podem fazer as transformações. O fundo talvez seja uma das contribuições de maior profundidade do processo de preservação, de conservação e de expansão sustentável do bioma amazônico”, afirma.

Aberto para captação e doação

O novo fundo é considerado um dos desdobramentos do Programa Economias Comunitárias Inclusivas, um dos primeiros projetos apoiados pelo Fundo JBS pela Amazônia, cuja parceria teve início em 2021 e que vem se desenvolvendo com a atuação conjunta do Instituto InterElos, Amazonbai, Universidade do Estado do Amapá (UEAP), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e Instituto Terroá.

Com estrutura voltada para fundos patrimoniais, o FUTURE estará aberto para captação institucional e para doação de pessoas físicas. Ele se enquadra na classificação de fundos filantrópicos, com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas para programas e projetos de interesse público.

A estimativa é que o fundo arrecade R$ 60 milhões até 2027. “Não há nada mais transformador do que imaginar que, em 10 anos, os alunos que se formam nas Escolas Famílias estarão aptos a trabalhar com o manejo e contribuir para a melhoria da gestão em todas as cadeias produtivas. Começamos com o pescado e o açaí, mas certamente os benefícios vão atingir as cadeias da castanha e assim por diante. O potencial de conhecimento é ilimitado”, conclui Paiva, do InterElos.