O cenário desenhado por Jair Bolsonaro e seus aliados na tentativa de vencer as eleições para a Presidência da República em 2022 passa por um trajeto perigoso: o uso da máquina pública como instrumento de propaganda partidária. A estratégia está sendo colocada em prática na TV Brasil, que caminha para se consolidar como a principal fonte de propaganda do governo, azeitada pelos recursos públicos.

Ainda neste ano, a TV Brasil, estatal que é um dos braços da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), vai começar a transmitir em sua programação a novela “Os 10 Mandamentos”, da TV Record, que apóia abertamente o presidente.Exibida em 2015, a trama religiosa teve 176 capítulos, orçados em R$ 700 mil cada. O negócio para a compra dos direitos de transmissão da novela evangélica pela TV pública já foi fechado. Questionada pela reportagem da ISTOÉ, a empresa não informou os valores da negociação e nem respondeu às demais perguntas.

O Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal é contrário à compra, e considerou como preocupante a decisão do governo. “Quais foram os critérios para escolha dessa novela? Outro aspecto que preocupa é o fato de ser uma novela produzida pela Record, que é aliada política do governo. Sem dúvidas, isso levanta suspeitas de que a EBC possa ser utilizada para reforçar o financiamento de apoiadores do governo”, avalia Juliana Cézar Nunes, Coordenadora-geral do Sindicato dos Jornalistas do DF.

RELIGÃO A novela comprada da Rede Record, “Os 10 Mandamentos”, estimula o público bolsonarista, mas contraria
a tese de que o estado é laico (Crédito:Divulgação)

Desde 2016, no governo Dilma, a programação da TV Brasil é definida por diretores indicados politicamente. Agora, no governo Bolsonaro, a manipulação da emissora acentuou-se. Existem lacunas que mostram o rompimento dos princípios da impessoalidade, da moralidade e maculam parte da programação da emissora, que terá agora sua estrutura usada para afago aos líderes evangélicos ligados ao partido Republicanos.

O partido é nada menos que o braço político da Igreja Universal, comandada pelo Bispo Edir Macedo. É ainda a casa política do filho 01 do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (RJ). Na Câmara, a bancada do Republicanos conta com 32 parlamentares, que dão sustentação ao governo. O apoio a Bolsonaro, claro, não sai barato.

“Esse contrato com a Record é mais uma prova do aparelhamento das estruturas públicas para promover a imagem pessoal e fortalecer apoiadores de Bolsonaro”, diz à ISTOÉ a deputada Natália Bonavides (PT-RN). Em outubro, ela ingressou com uma representação junto ao Ministério Público Federal (MPF), após a TV Brasil transmitir o jogo entre Brasil e Peru pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Durante a transmissão, o narrador da partida André Marques, mandou abraços para o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, e outros dirigentes da entidade. Em seguida, passou a tecer elogios a Bolsonaro.

A TV Brasil está sendo utilizada também para satisfazer o ego do presidente. No final do ano passado, a emissora transmitiu uma “pelada” de futebol no estádio de Vila Belmiro, em Santos, com a participação do presidente. A produção do evento armou uma jogada para que ele marcasse um gol. O mandatário, porém, fora de forma, caiu de cara no chão, após chutar para a rede: um espetáculo deprimente, mas aplaudido pelos locutores da emissora.

Em sua manifestação no caso, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, afirmou que “atentar contra princípios administrativos pode ser tipificado, em tese, como ato de improbidade administrativa”. De acordo com o procurador, os fatos narrados na representação simbolizavam promoção pessoal de agentes públicos e desvio de finalidade, por desvirtuar o objetivo central de atuação da entidade. A norma determina que a EBC é uma empresa pública federal, que tem como finalidade a prestação de serviços de radiodifusão pública. Apesar da manifestação do procurador da República, a representação foi arquivada.

QUEDA Em Santos, deixaram a bola pingando na área, para Bolsonaro ser filmado pela TV estatal fazendo gol: ele estatelou-se no chão (Crédito:ALEX SILVA)

“Não há dúvidas de que esse tipo de conduta, de governar com base nas preferências pessoais do presidente, acarreta sérios danos à coletividade. O que é ainda mais grave é o MPF assistir a esse tipo de conduta sem tomar qualquer iniciativa para impor os limites da lei a esse governo”, disse a deputada.

De acordo com a análise dos oposicionistas, a compra da novela evangélica pela emissora estatal transforma o patrimônio público em uma espécie de puxadinho dos interesses dos aliados da bancada evangélica, especialmente os abrigados sob a alçada do Republicanos. O líder do Republicanos na Câmara, deputado Marcos Pereira, que é bispo licenciado da Igreja Universal, não quis se manifestar sobre o assunto. O partido é um dos que Bolsonaro negocia uma filiação, que precisa ocorrer até abril deste ano. Sem conseguir alavancar a criação do novo partido, o Aliança pelo Brasil, Bolsonaro vai precisar de uma legenda já criada para chamar de sua para que possa concorrer à reeleição.